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Mostrando postagens de 2010

Um ano e tanto

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2010 não foi um ano qualquer. Grandes mudanças aconteceram. Anos de perdas e de ganhos, de montanha russa emocional e, certamente de muito aprendizado. Trabalhei bastante, mais do que gostaria e menos do que poderia. Quem sabe se algum dia eu ganhe na loteria e pare de trabalhar, é verdade que minhas probabilidades são muito reduzidas considerando o fato de que eu não jogo, acho que esse cálculo nem meu amigo Rogério que é estatístico conseguiria fazer. Trabalhei na igreja até meados do ano. Parei temporariamente. Pretendo voltar assim que me queiram de volta, não me entendo como um cristão se não estiver trabalhando. Agradeço meus alunos que continuam sentindo saudades das minhas aulas. Minha militância inclusiva se manteve. O ritmo foi um pouco menor mas continuei batendo pernas para falar a respeito de um mundo onde todos os seres humanos sejam considerados seres e humanos e onde a educação seja de fato um direito indisponível. Conheci pessoas novas nesse meio. Me encontrei com outr

Para o levantamento de muitos

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“Eis que esse menino está destinado tanto para a ruína como para levantamento de muitos....e para ser alvo de contradição, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lucas 2 :34-35) Quando o menino Jesus foi apresentado no templo, ele encontrou o velho e piedoso Simeão que falou as palavras acima a seu respeito. Palavras doces para os que crêem, palavras duras para os que não entendem o seu sentido. A cada Natal eu me impressiono como essa contradição fica mais aparente. Como alguns entendem essas palavras e como tantos se distanciam do sentido da comemoração, a ponto de muitos dos cartões que eu recebo, analógica ou digitalmente, sequer mencionarem o Natal, limitando-se a desejar boas festas. Para essas pessoas, o final do ano vai ser só mais uma oportunidade de comer e beber, talvez ganhar presentes. Talvez só um momento de desejar que 2011 seja melhor. Nós também desejamos que 2011 seja melhor para vocês todos, que seja o ano em que aqueles que ainda não tiveram a o

Crítica teatral

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Alguns autores buscam em sua vida real ou imaginária os temas para desenvolverem suas produções artísticas. Esse fato é mais ou menos perceptível a cada novo texto e varia muito de autor para autor. Por outro lado, existem escritores que conseguem extrair de fatos corriqueiros todo um edifício ficcional que beira o delírio lisérgico. Esse é o caso da nova obra do teatrólogo galês Oso von Bach, o monólogo "Uma mulher exaltada", atualmente em cartaz no teatro da Aldeia Circular. A protagonista, interpretada magistralmente pela atriz Elisabeth Bell estrutura-se sobre uma série interminável de pequenos fatos e cada uma das reações ensandecidas da personagem. A forma como von Bach cria situações absurdas alterna momentos hilariantes e deprimentes. Nem na mais profunda alucinação de uma mente corroída por ácidos nefelibáticos tais situações beirariam sombras de uma existência factual. O auge da peça e da interpretação de Bell acontece no momento em que ela descreve como se exaltou

A tupida antologia de Novembro

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A regra do jogo é simples. Leia os comentários que foram publicados no blog no mês passado sem voltar aos textos originais. Para cada um deles imagine a sua própria história: O que vc fez com as coitadas das rosas? ele tenha terminado morrendo por causa de uma glicemia alta muita estranha essa geleia... será que terei o mesmo fim? Sem querer estragar a beleza da mitologia celta, mas vou resignificar minhas palavras continuo seguidor fiel das tuas traições acho que meus neuronios ainda estão embriagados mamãe também é gente! Esse post foi inspirado na minha enxaqueca, pode confessar! eu já ouvi essa orquestra de pulgas amestradas,lá na Praça da Sé...faziam fundo musical,pra uma pregação sobre o livro de Jó... E vai saber quem elas tinham mordido antes né? Fiquei zonza, de olhos esbugalhados e nó na língua... Será que dizem isso ser careta? Isso é o que acontece com quem confia demais

Novo golpe na praça

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Seus amigos não acreditaram quando ele disse que estava deixando sua casa. Não que achassem que ele fosse feliz com Raquel, mas sabiam que ela nadava em dinheiro, como que Ronaldo iria perder esse boquinha, pior, de forma voluntária? Quando casaram ninguém achou que ele estivesse aplicando o golpe do baú*, Ronaldo não era milionário mas também não era nenhum pé rapado. Raquel era proprietária de uma indústria muito bem sucedida. Quando abriu a financeira para vender seus produtos no crediário ficou mais rica. Quando um banco estrangeiro comprou a financeira e a indústria ela ganhou o suficiente para viver lautamente as próximas 31 encarnações. Claro que Ronaldo foi beneficiário da fortuna de Raquel. Conheceu o mundo, passou a frequentar os melhores restaurantes, só viajava de primeira classe ou de aviões particulares, tinha até um helicóptero para levá-lo onde quisesse, na hora que quisesse. Nada disso seduzia Ronaldo. Ele não aguentava mais viver cercado de seguranças armados, não tol

Caparidáceas

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Ele sabia que aquele era o jantar da sua vida. Não poderia cometer nem um erro, nem um deslize. Depois de muito tempo ele finalmente tomara coragem de convidá-la para jantar na sua casa e, surpreendentemente, ela aceitara o convite. Justo ela que sempre lhe pareceu ser a estrela inatingível. Até o seu melhor amigo tentou dissuadí-lo de qualquer tentativa. Era areia demais para seu caminhão. Dormiu muito pouco nas noites que antecederam o encontro. Noites em busca de pratos perfeitos, testando e retestando as receitas. Recorreu a um sommelier para escolher os vinhos. Nada. Nada podia dar errado. Nada. Quando ela chegou a mesa da sala parecia um restaurante de luxo. Louça inglesa, taças de cristal tcheco, talheres de prata e guardanapos bordados a mão. Serviu a salada de endívias com queijo de cabra e amêndoas com um vinho suave. A carne assada com um molho de alcaparras, acompanhada de risotto milanese e de um borgonha valente, mas macio. Não se arriscou na sobremesa, preferiu comprá-la

O melhor caminho

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" - ZYD456, a sua Rádio Tráfego (não confundir com tráfico que é sempre um mau caminho) indicando os caminhos menos péssimos para se deslocar na cidade. Patrocínio exclusivo da Norte Oceânia - "Não há turba que me perturbe" e apoio inestimável da CET - Companhia do Engarrafamento do Trânsito, sem a qual essa rádio não existiria. Abrimos nossos microfones agora para os nossos ouvintes. Conte de onde você vem e para onde vai, e nós te ajudamos a chegar. Na linha está o Astrogildo. Fala Astrogildo, onde é que você está encalacrado..." " - Oi cara...preciso de ajuda. Eu estou indo de Guarulhos para Santo Amaro, peguei a Marginal Tietê e o trânsito está fluindo bem demais, será que não pode me dizer como é que eu faço para pegar um engarrafamento?" " - Astrogildo, o melhor caminho é exatamente esse marginais Tietê e Pinheiro até a ponte João Dias, está tudo livre, em 15 minutos você chega lá..." " - Mas eu não quero chegar em 15 minutos, não tem

Cefalalgia

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Não era nada diferente do que acontecia entre outros casais. Mariana algumas vezes estava com dor de cabeça e, quando isso acontecia, Jorge ficava desconcertado olhando para o teto. Acontece que, num dia em que Mariana realmente estava com uma dor de cabeça infernal Jorge não se conteve e disse que ia ser com ou sem dor de cabeça. Mariana ensaiou um protesto, mas acabou cedendo. Era melhor aguentar a dor de cabeça do que se arranjar outra. O que ela não esperava é que mal tinham acabado, a dor de cabeça desaparecera completamente. Quando comentou isso com Jorge ele deu um riso irônico, até parecia que ele tinha acreditado na tal da dor. Mas Mariana sabia que a dor era real antes e inexistente depois. Tentou entender o que tinha acontecido, não conseguiu e resolveu que aquela situação precisava de uma comprovação científica. Dias depois Mariana teve um dia cheio de reuniões externas. Ficou muito tempo na rua, debaixo de sol forte. As pontadas na cabeça começaram no final da tarde. Ao ch

A cor do som

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Elisa chegou em casa cansada e nervosa. O dia, definitivamente, não tinha sido dos melhores. O calor acentuara a sua dor de cabeça, o chefe a culpara por um erro que não era dela e quando ela pediu ajuda a um dos colegas de trabalho ainda teve de ouvir que ele não era mágico para resolver os problemas do mundo. Olhou para o relógio e ficou ainda pior, faltava um pouco mais de uma hora para os seus convidados chegarem e ela nem tinha começado a fazer o jantar. Entrou no chuveiro, tomou um banho rapidíssimo e voou com as suas tarefas. Arrumou a mesa enquanto a carne assava no forno, arrumou os vasos de flores, escolheu os discos para tocar durante o jantar, colocou a água no fogo para cozinhar o macarrão. Estava dando os últimos retoques na salada quando seus amigos começaram a chegar. Depois de muitos anos iria rever parte da turma da faculdade. Mantinha um contato remoto com alguns deles e mais próximo com duas amigas. Ela não via André desde o dia da formatura, mas lembrava da admiraç

Uma rosa é uma rosa

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Fernando nunca levou a sério pessoas que fossem viciadas em qualquer coisa. Achava essa história de dependência física, química ou psicológica uma besteira. Coisa de gente fraca que não tinha autocontrole ou capacidade de gerir suas próprias vidas. Pessoas como ele não permitiam que nada fosse mais forte que a razão. Chegou mesmo a perder alguns amigos por isso. Suas críticas nunca eram leves e seus comentários, mesmo em tom de brincadeira, eram ferinos. Outros relevavam, afinal, tirando essa mania, ele não era um mau sujeito. Fernando só perdeu as estribeiras no dia em que um colega de trabalho disse que ele tinha dependência psíquica de falar mal das dependências dos outros. Para contrariar esse tese ficou mais de dois meses sem tocar no assunto. Foi nessa época que, num sábado, foi tomar chá na casa de uma velha tia que ele sempre visitava. Entre chás, torradas e biscoitos, ela trouxe uma novidade que ganhara de uma neta: um vidro de geléia de rosas. Fernando achou estranho comer fl

Traje dos céus

Não é a primeira vez que eu cometo uma traição nesse blog, pelo contrário, sou um traidor contumaz como se pode ver aqui . Também não é a primeira vez que traio Yeats, ele já me puxou as pernas à noite pelo que fiz com o vagante Aengus . Dessa vez traio os seus sonhos, ou serão os meus? Traje dos céus Tivesse eu trajes tecidos nos céus, Permeados de ouro e prata e luz, O azul e o sombrio e escuro traje De noite à noite à meia luz, Lançaria sob teus pés minha capa Mas pobre eu sou, só sonhos tenho Sob teus pés lancei meus sonhos Pise suavemente, caminhas em sonhos. Anthony Hopkins em 84 Charing Cross Road também tinha devaneios com esse poema O original é o seguinte Cloths of heaven William Butler Yeats HAD I the heavens' embroidered cloths, Enwrought with golden and silver light, The blue and the dim and the dark cloths Of night and light and the half-light, I would spread the cloths under your feet: But I, being poor, have only my dreams; I have spread my dreams under your feet;

A vetusta antologia de Outubro

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Acho que eu acabei sendo muito sério esse mês e, como consequência, a maioria dos comentários também o foi. Mas sempre tenho companheiros insanos a tergiversar pletoras. Aí vão os melhores comentários de Outubro Se um dia eu crescer...também quero ser assim... Entupa todos os ralos do seu lar com estopa. Pois é... O certo mesmo é ser piranha do brejo e morder tudo quanto é calcanhar. ...se essa caixinha ficar quieta,eu consigo contar... também é composto de colágeno... Essa brincadeirinha dos pontos pretos me deixou pálida... nos dieron la lección de la vida en la greda morte chegar num café com cultura... Que mente é essa, a minha??? Cicuta é bebida fraca, tem algo + forte? Vou imprimir e destribuir na feira. chamado o capitão caverna para ajudá-la Uahahahaha...pessoa louca..

Lei do silêncio

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Ana entendeu perfeitamente quando Carlos falou que sua mãe viria morar com eles. A mãe ficara viúva há pouco tempo e os filhos acharam melhor que ela não morasse sozinha. Carlos tinha a casa que permitia alojar a mãe. A nora, apesar das lendas, se dava muito bem com a sogra e cuidou de todos os detalhes da instalação dela em sua casa com carinho e delicadeza. O que eles não pensaram, em momento algum até a mudança era que, a partir daquele momento, não estariam mais sozinhos em casa, e no que isso implicava. Naquela noite, quando Carlos se enroscou em Ana, caiu a ficha. Não que algum dos dois fosse exatamente escandaloso, mas também não eram nada silenciosos. Naquele momento, Carlos perdeu o ânimo, Ana não entendeu, aquilo nunca tinha acontecido antes, até Carlos murmurar: " - A mamãe..." Ana desabou. Nunca mais aventuras no corredor. Temperos na cozinha, nem pensar. Chamou Carlos para levantar e ir até a cozinha para tomar um chá. Precisavam conversar. Carlos comentou que el

Sem fumaça

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Rosana ouviu o apito do celular e ficou imaginando quem poderia estar lhe mandando torpedos numa hora daquelas. Não acreditou quando viu que era uma mensagem de Sérgio, perguntando se ela tinha melhorado da dor de cabeça. Até seria uma atitude gentil, não fosse o detalhe que ela estava no quarto e Sérgio, seu marido, estava na sala vendo televisão. Ela não respondeu. Cinco minutos depois o telefone tocou. Era Sérgio querendo saber se ela tinha recebido o torpedo. Quando disse que sim ainda foi obrigada a ouvir a cobrança de que não tinha recebido e depois ia reclamar que ele não se preocupava com ela. Ficou tão brava que desligou o celular e tirou o telefone fixo do gancho. A dor de cabeça piorara e ela queria dormir. Não conseguiu. Dez minutos depois Sérgio apareceu na porta do quarto reclamando que não conseguia falar com ela e só caia na caixa postal. Ela enfiou a cabeça embaixo do travesseiro. Não dormiu, pensando a noite inteira. No dia seguinte dedicou-se à pesquisa de antropolog

Cena hiperrealista

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Na Praça Clóvis, Bevilacqua ainda ressonava junto ao meio fio ao som da sua orquestra de pulgas amestradas tocando um pout-pourri de Benny Goodman. Os primeiros passantes da madrugada olhavam acintosamente a cena, o que não os impedia de lançar cáusticas bitucas nos bueiros arratazanados. A moça de camisa rosa paramentava os abrolhos discrepantes que pendiam solertemente das vitrines da alma Corega! Corega! Bradava Cantinflas do alto do seu tabuleiro de rapadura na esquina da Maria Quitéria. Os janisteus cabrobravam paulatinamente os pneumáticos espreguiçantes, entre ladrilhos e abutres. Desde a praça, ramos pendiam flácidos entre columbiformes e amorfas lagartas que atacavam vorazes as penas de morte. Tua perplexidade diante de fatos combustíveis inexorava a multidão. E eu saí pelas ruas em busca do tempo mordido.

Escravos de Jó

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Rinaldo e Karina começaram a namorar na adolescência e nunca se separaram. Também nunca casaram. Nem eles mesmos sabiam explicar o por quê (ou os vários por quês). Chegaram mesmo a comprar e mobiliar um apartamento com a intenção de morarem juntos, o que nunca aconteceu. O apartamento virou um lugar de refúgio para eles. Ambos usavam o lugar sozinhos, algumas vezes; muitas outras juntos, geralmente nos finais de semana. O que não impedia que um dormisse na casa do outro de vez em quando. Rinaldo morava coma mãe, já idosa. Karina coma irmã mais nova. Nem uma nem a outra jamais questionaram o arranjo de vida dos dois. Já o resto do mundo não entendia nada. No começo ainda tentavam explicar, depois desistiram e começaram a se divertir com as reações das pessoas. No supermercado os olhos arregalados dos caixas quando separavam as compras da minha casa, da sua casa e da nossa casa. No cabelereiro ela ria quando Rinaldo chegava com a mãe e saía com ela dizendo que ia até em casa antes de vol

Para sempre

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Para A & B, meus modelos de vida a dois Ela me olhou com aqueles olhos verdes que sempre me emocionaram e me disse que estava com saudades do seu amor. Não falava de forma amargurada mas estava claro que aquilo a incomodava. " - Mas ele viajou ontem à noite... além disso vai ficar fora somente três dias", falei, tentando fazer com que ela não se sentisse triste. "- Eu sinto saudades quando ele vai até o banco e volta em meia hora. Três dias são uma eternidade, além disso estou só desde ontem à noite..." " - Você sabe que ele precisa trabalhar, isso faz bem para a cabeça dele", insisti. " - Eu sei... eu sei... eu sei que é bom para ele, mas, o que eu sinto? Não tem o mesmo valor?" " - Claro que tem, mas ele ainda trabalha só para poder te mimar..." " - O melhor mimo que ele pode me dar é ficar comigo o tempo todo." E encerrou o assunto. Fomos tomar um chá com torradas e conversamos sobre lembranças da família. Fui para casa

As águas rolaram

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Minha amada amantíssima adorada, Eu sei que nos desentendemos a respeito de um assunto muito importante para você. Sei que não deveria ter me exaltado como aconteceu. te peço perdão. O que sei é que quando olhei aquela grelha prateada, reluzente, redondinha, eu me empolguei a ponto de quase me colocar de joelhos diante dela, tal foi minha vazão. Imediatamente você sifonou-se e reclamou que a grelha não tinha caixilho. Eu demonstrei todo o meu desdém pelo caixilho. Quem precisa de caixilho quando se tem uma grelha perfeita? Seu olhar foi fulminante. Sua reação ameaçadora. Para você, grelha sem caixilho é algo intolerável e, mesmo sabendo disso, achei que era apenas uma frescura e comprei meu objeto de desejo. Você nem falou mais comigo ontem à noite. Hoje encontrei seu armário vazio e seu bilhete cravado com um facão na porta do banheiro: "Adeus seu crápula, você jogou nosso amor pelo ralo". Volte para mim, meu amor, eu já resolvi tudo. No nosso lar, nunca mais, uma grelha fic

O triste fim de Ananias

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Quando André contou para sua irmã que tinha comprado um aquário ela estranhou. Ele nunca fora muito dado a animais de estimação e não era um homem de se preocupar muito com o que acontecia à sua volta. Mesmo assim ela não disse nada e ficou torcendo para que ele se desse bem com seu peixe. Ele era um sujeito solitário, acostumado a viver para si mesmo, quem sabe a companhia de outro ser o transformasse num homem melhor. De fato, nos primeiros meses André cuidou bem de Ananias (como batizara seu peixe Beta, espécie que ele escolhera justamente por ser a que exige menos cuidados do dono). Trocava a água do aquário duas ou três vezes por mês, alimentava-o com frequência (ainda que não poucas vezes esquecesse de tirar o excesso de comida) e, surpreendentemente, conversava com o bichinho. Claro que ele deu algumas mancadas no caminho. Uma vez colocou queijo ralado no aquário no lugar de ração. Em outra esqueceu o aquário do lado da janela e quase matou Ananias de calor. Mas o peixe era real

Aforismos tergiversantes

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Quem pensa, com seus males se espanta Se você anda no mundo da lua, por favor, não pise nos selenitas Não ser invasivo é uma boa desculpa para ignorar as pessoas Alguns seres humanos não tem a capacidade de serem humanos. Discordar é o caminho mais rápido para te dizerem que você está errado A fusão do frio e do quente só gera relacionamentos mornos Quem ama o feio julga-se na vanguarda estética Senso comum não é fácil de achar mas, raríssimo mesmo são aqueles que tem senso incomum (obrigado Mario Fantoni, sujeito de senso incomum)

Sul para sempre

Meu olhos sempre estiveram voltados para o sul como se eu nunca tivesse um norte na vida. O sul que me deu amigos de rara inteligência e de grandes discussões filosóficas e intelectuais. O sul da Rejane, da Izabel, da Ana Mello. O sul do sempre brilhante Fabrício Carpinejar, que ontem fez aniversário. O sul que me deu o som de Victor Ramil com suas estrelas solitárias e suas milongas plangentes. O sul que mais ao sul me trouxe Borges e Cortázar. Amigos de todas as horas que moram nas minhas estantes e armários. O sul que me ensinou a gostar dos tangos de Lesica e de Piazzolla Meus olhos se voltam ao sul, imensa lua, céu ao revés. Volto ao sul, para dele nunca mais sair. Vuelvo al Sur, como se vuelve siempre al amor vuelvo a vos con mi deseo, con mi temor Llego al Sur como un destino del corazón soy del Sur como los aires del bandoneón Sueño el Sur, inmensa luna, cielo al revés busco el Sur el tiempo abierto, y su después. Quiero el Sur, su buena gente, su dignidad, siento el Sur, como

Convite à viagem

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Là, tout n'est qu'ordre et beauté, Luxe, calme et volupté . ( Charles Baudelaire ) Quero viver no país Que se espalha em quinze tonalidades de azul Onde os mares sejam senhores de norte a sul E o amor seja sempre Luxo, calma e volúpia Os móveis de cada casa polidos com o brilho do teu suor As flores reproduzam teu perfume teu odor E o amor seja sempre Luxo, calma e volúpia Quero cada eternidade como o primeiro fruto da espiga Acordar todas manhãs Com o mesmo frio na barriga E o amor seja sempre Luxo, calma e volúpia E quando a morte chegar que seja num café onde habita a cultura E Um só sonho Um só corpo A nossa sepultura O amor enfim será Luxo, calma e volúpia

A irrefreável antologia de Setembro

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Eu voltei a escrever e meus comentaristas voltaram com a corda toda, foi difícil selecionar os comentários mais surreais. Aí vão meus escolhidos do mês. Se você não foi escolhido vai precisar beber mais cicuta nesse mês. talvez eu precise de uma dose de álcool... levei tanto puxão de orelha, por conta das benditas bergamotas... fiquei com medo do bafômetro. eu quero mesmo,de verdade,é conseguir dormir.. às vezes tenho a sensação de que vaguei por algum sonho alheio E lá vou de novo fazer a recuperação paralela. se não for insana o suficiente eu me enforco num pé de coentro! Sinto dizer, mas a sua Maria fugiu com os 7 Boys! eu daria o maior bolo nele e iria cantar em outras padarias "Anauê" !!!!Eu estou com você!!!!! Será que a Monastra sabe o que é Ftalocianina? Ftalocianina,dá o mesmo efeito que fluoxetina? mas que chulé logo de manhã... a DDA aqui tá em forma!!! Que o dia 1 seja o pior dos dias do resto de sua vida! você só precisa tomar cuidado para não se apaixonar pelo u

Modelo de amor

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O manequim negro em roupas esportivas era um cara saradão. Barriga tanque Brastemp de 10kg, bíceps musculosos e proporcionais, lábios finos. Rosana, que trabalhava na loja ao lado apaixonou-se pelo boneco. No começo as colegas de trabalho acharam que era só mais um chiste de Rosana. Ela era uma moça brincalhona e esse tipo de piada era bem peculiar dela. Não era. Ela realmente nutria sentimentos pelo boneco, a ponto de tratá-lo por apelidos carinhosos e, não poucas vezes, sacrificar seu horário de almoço para ficar falando com ele. Nos dias em que trocavam a roupa do manequim ela passava o dia suspirando. Sua gerente já andava preocupada, mas reconhecia que seu desempenho como vendedora tinha melhorado muito desde que se apaixonara. Rosana começou a assediar o dono da loja do manequim, queria comprá-lo a qualquer custo. Temendo que o boneco fosse usado na loja concorrente ele recusava qualquer oferta que ela fazia. Ela chegou mesmo a propor-se trabalhar para o dono do manequim se ele o

Sous plat

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Quando acabou de abrir seus presentes de casamento Rogério olhou desapontado para Marisa. Não tinham ganho o jogo de sous plat que ele marcara em todas as listas de presentes. Marisa sorriu amarelo e disse que depois cuidariam disso. Os anos se passaram e, todas as vezes que Rogério via sous plats nas lojas dizia que ia comprar. Nunca conseguiu. Marisa sempre dava alguma desculpa para adiar a compra. Ora que não tinham dinheiro, ora alegava que recebiam poucas visitas. Mais de uma vez disse que sous-plat era coisa de restaurante, não de casa. Quanto mais adiavam a compra, mais frustrado ficava Rogério. Até pensou em comprar sozinho, mas sabia que a mulher ficaria exaltada se ele fizesse isso. As desculpas se sucediam. Num determinado momento a frustração começou a virar ressentimento. O ressentimento em ódio. Marisa achou que a distância de Rogério era infidelidade. Só podia ter arranjado outra. Começou a seguí-lo pela rua. Um dia viu-o entrando em um flat. Esse deveria ser o ninho de

Uma lição de tango

Por una cabeza (Carlos Gardel e Alfredo Le Pera), tocado por Tango Project Minha parceira no video é minha professora Melissa When you undertake to dance the tango you become ready to move beyond life's fears. You acquire a way to celebrate life's romance. You dance of dreams: of passion, tension and release, frustration, conflict, separation from home and loved ones, and of resolution. You dance of your destiny in the making Argentine Tango is to lead and follow, to step to & fro, to turn right & left, to move together as one body. To Tango is to trust, to pause, to dance in a close embrace, articulating the unfolding of desire into passion. (Hugo Heyman)

Cortina de fumaça

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Arnaldo nunca fora ciumento mas, já há algum tempo, começara a desconfiar do comportamento de Veronica. Ela passava mais tempo fora de casa, alguns dias chegava tarde e, mais de uma vez, achou que ela estava com roupa diferente da qual tinha saído. Começou a questioná-la. Bo começo, de forma discreta, depois de maneira mais incisiva. Ela sempre tinha uma história, sempre envolvendo Magali, sua melhor amiga. Tinha almoçado com Magali. Ido ao cinema com Magali. Passeara no shopping com Magali. Arnaldo tinha certeza que a amiga estava acobertando Veronica. Tinham intimidade suficiente para isso e a amiga fazia o papel de cortina de fumaça. Chegou mesmo a aparecer de surpresa no restaurante preferido delas num dia que Veronica disse que ia almoçar com Magali. Quebrou a cara. As duas estavam mesmo almoçando, e riram muito dele. Arnaldo não se conformou. Alguma coisa existia e ele precisava descobrir. Todas as quartas-feiras Veronica dizia que ia passear com Magali e sempre chegava tarde. Nu

Em busca do Graal

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No tempo ancestral dos sonhos, de um reino outrora obscuro e pequeno, tornaste-te princesa. Os becos sujos da alma converteste em alamedas floridas. Perfumadas. Teu sorriso abriu as portas dos cômodos e incômodos trancados. Envergonhados. A melodia da tua voz era como o primeiro raio de luz da manhã. Nas tuas mãos o brilho dos cristais. Hoje as flores sentem a tua ausência, e do perfume que as fez negar seus próprios aromas. A água das fontes resseca por não poder tocar tua pele e os pássaros aguardam teu comando para cantar. Soberana desse reino, todos teus súditos esperam o teu retorno das cruzadas. Enquanto lutas pelo cálice de fogo e sangue, o reino treme de saudades, paralisado. Com o olhar fixo na estrada pela qual voltarás envolta em nuvens e espuma. Chegarás portando o Graal e assumirás o trono que a ninguém mais pertence. Para sempre.

Em busca de Kalsahad

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No deserto da Mauritânia existe uma caverna escondida em meio às dunas do Saara, em algum ponto entre Atar e Tidjikdja. Ninguém nunca souber precisar exatamente a sua localização. É a morada de Kalsahad, a serpente que salva ou destrói homens que se perdem no deserto. Ao encontrar um viajante perdido ela imediatamente o ataca e inocula o seu veneno. A salvação depende apenas da obediência a ordem do réptil: jamais revelar nada a respeito dela. Após a mordida, Kalsahad conduz a pessoa à fonte de água da sua caverna e, em seguida guia o viajante até a saída do deserto. Caso algum deles tente contar a história para outro ser humano, o veneno age imediatamente e, em segundos, a pessoa morre asfixiada. A história da Kalsahad só foi revelada ao mundo quando Timothy Karsten morreu e, entre os seus escritos, foi encontrado o relato de sua passagem pelo deserto, num envelope lacrado dentro do seu cofre, com a recomendação de que quem achasse aquele texto deveria mantê-lo em segredo, sob o risco

Nunca olhou para outra

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Haroldo era um marido exemplar. Trabalhador eficiente, pai zeloso e cidadão honesto. Se não era mais que um cara burocrático com a mulher, essa também não tinha muitas queixas, vivia sua vida sem sobressaltos. A máe de Haroldo o considerava o seu orgulho pessoal. Na sua visão materna criara o homem perfeito e sempre que encontrava Soraia, a mulher de Haroldo, ela fazia questão de ressaltar que ele nunca tinha olhado para outra mulher. Como acontecia todos os anos, no período de declaração de imposto de renda, Haroldo trabalhava até mais tarde todos os dias no escritório de contabilidade. Não era diferente naquele ano. O diferente é que Soraia começou a captar sinais preocupantes. Um dia Haroldo chegou em casa com fios de cabelos presos no paletó (deve ter sido no ônibus, ele disse). Em outro dia cheirando a perfume feminino (é aquela secretária que exagera na dose e empesteia o escritório com esse cheiro) e até mesmo uma mancha de batom no seu lenço (emprestado a uma colega resfriada,

Um duplo singular

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Esquizofrenia é um transtorno mental que caracteriza-se essencialmente por uma fragmentação da estrutura básica dos processos de pensamento, acompanhada pela dificuldade em estabelecer a distinção entre experiências internas e externas e pela multiplicidade de personalidades de uma pessoa. Não era o caso de João, ainda que muitas vezes o diagnóstico inicial apontasse para isso, depois de algumas consultas os médicos descartavam e ssa possibilidade. A mãe de João não sabia mais o que fazer com o menino que ora se dizia ser João e, em outras, era apenas João. Quando questionado quem era naquele momento ele sempre dizia a mesma coisa: "- João... ora bolas!". Por outro lado, quando ele mudava de João ele avisava. João tinha momentos de bom e mau humor, João também. As pirraças não eram de um João específico, tão pouco as brincadeiras. O menino tinha mesmo dupla personalidade, só que as duas personalidades comportavam-se da mesma forma. Só havia uma exceção: nem todos os amigos de

Hoje é o dia 1 do resto da minha vida

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Hoje é o dia de ouvir aquelas frases clássicas sobre espírito jovem, sobre a vida começar aos 50 e de dizerem que eu não mudei nada... Quantas vezes ouvi as pessoas falarem....X anos de idade, mas com um espírito jovem? Longe de me parecer algo saudável, isso me soa um pouco esquizofrênico : dupla personalidade ? uma no corpo e outra no espírito, não sei não... Eu prefiro comemorar meu aniversário de verdade, de corpo e espírito que caminham juntos e fazem de mim uma pessoa cada dia mais imatura e menos consistente. Não faltarão os comentários sobre ser a minha idade a melhor fase da minha vida, assim como sempre as pessoas se referem à idade das crianças. Também esse tema é objeto das minhas discordâncias. Eu nunca tive uma fase melhor na minha vida, todas elas foram tão boas que é impossível definir uma que tenha sido melhor ou pior. Assim como o melhor beijo sempre é o próximo, para mim a melhor fase da vida é essa em que estou. Hoje comemoro meio século e só tenho bençãos a contar

Poemeto pigmentar

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Monastra minha amada Talvez não seja nada Talvez em si seja tudo Ou mudo Monastra querida minha Não escute a vizinha Ela adora uma fofoca Na toca Monastra minha flor Nunca duvide do amor O meu nunca acaba Na taba Monastra minha vida Se alguém duvida Da nossa sina Ftalocianina

Anauê

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Antes de mais nada gostaria de esclarecer que não sou filiado a nenhum partido político, nem sou eleitor habitual de nenhum deles, pelo contrário, já há alguns anos só tenho votado em uma candidata para vereadora e que, no momento é candidata a deputada federal. Cada dia aumenta mais a minha convicção que a dita democracia representativa não me representa em nada. Não acompanho a campanha eleitoral desse ano, exceto pelo noticiário do jornal que leio. Não pretendo votar na Dilma, nem no Serra, muito menos na coleção dos micro candidatos. Nenhum deles, por motivos diferentes, me parece adequado ao cargo que disputam e eu sempre fui contra o voto útil. Também não acho que o governo atual seja grande coisa, é uma mistura de liberalismo econômico tucano, com demagogia assistencial peronista e aparelhamento partidário do estado. Não deixo de reconhecer algumas de suas realizações, especialmente numa área que me diz muito que é a educação inclusiva, definitivamente provocaram uma revolução p

Panis non conficitur sine farina.

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Maria minha broa Há dias que você não aparece na minha padaria e meu pumpernickel está muito sovado com saudades da sua focaccia. Você sabe que és para mim mais que uma miga, é o croissant dos meus olhos e o vienoise dos meus desejos Lembro do dia que lhe dei aquele brioche e você não deu batata para mim. Não me queijo. Depois te conquistei de forma e integral. Minha baguete anseia pela sua ciabatta, não se faça de banha que o tempo pode ficar preto. Quero de novo beijar seu chapati e mordiscar suas bisnaguinhas. Me disseram que andas com um francês, mas eu te vi mesmo foi com aquele cacetinho gaúcho. Que raiva! se você não voltar, passo minha bengala em ti, sua pita. Manuel

Aforismos recorrentes

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O silêncio é um grito para ouvidos fechados Mostre-me como diriges e eu te direi quem és Sonhos de cristal refletem em todas as direções A eternidade é feita de um monte de segundos Não espero a primavera, eu a crio no coração A mão que apaga é a mesma que viceja Na iminência da derrota os democratas se transformam imediatamente em fascistas Como é que as pessoas sobreviveram séculos sem redes sociais?

A inesquecível antologia do trimestre

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Ao invés de escolher um adjetivo esdrúxulo qualquer para batizar a antologia que acabou sendo do trimestre, eu preferi definí-la como inolvidável, ou inesquecível, em homenagem a alguns dos meus leitores que, durante esse período em que estive fora do ar, efetivamente sentiram minha falta e se preocuparam comigo. Seja aqui mesmo nos comentários, sejam por e-mails ou mensagens em redes sociais, essas pessoas foram muito importantes nesse período de travessia pelo qual eu passei. A todos e a cada um deles (sim, vocês sabem que estou falando de vocês), o meu muito obrigado. E vamos ao melhores comentários postados no Mens Insana de Junho até Agosto: estamos todos +-enforcados vou tomar mais cuidado com o que ando escrevendo não dê conselhos sem acentos! ...eu morro de medo de provocar um incêndio.. pensar numa Traição esqueirófica? Se eu fosse traída por um homem que me enviasse o que você postou... penso que talvez este desencadeasse um pedido de divorcio Preciso carregar um queijo deste

Um sonho

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Todas as noites, ao deitar, Alexandroff saia de si mesmo e vagava pela vielas escuras das almas alheias. Não era um ser do mal, apenas um observador atento dos sonhos que invadia. Percorreu delírios, pesadelos, desejos reprimidos, angústias e fantasias. Nunca se envolvia em nenhum deles, algumas pessoas invadidas acordavam com a lembrança de um personagem que observava tudo e nada fazia. Do seu lado, ele não tinha sonho nenhum, apenas os dos outros. Durante anos a situação se repetiu. Se alguém lhe perguntava se ele sonhava ele dizia que não lembrava de nada. Numa noite de fim de verão, Alexandroff entrou num sonho que o encantou e, sem perceber foi capturado pelo mesmo. Pensou que era muito arriscado deixar-se participar da história daquele sonho, mas não conseguiu, ou melhor, nem se esforçou para não ser capturado. Percebeu que aquele era o sonho que ele nunca tinha sonhado, que era tudo que queria na vida. Naquele dia deixou de vagar pelas ruas e invadir outros sonhos. Voltava todas

O espírito de Blaafarveværket

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Ninguém sabe exatamente quando foi que Jorge o encontrou, as lendas dizem que em algum dia na década de 30 do século XVIII, enquanto olhava fixamente para um vidro colorido. Uma iluminação, dizem alguns, uma impostura, dizem outros. O que se sabe é que Jorge, depois de beber alguns copos a mais de bismute (uma variação estoniana do vermute) estava intoxicado pelo demônio das minas. O germânico espírito maligno infiltrou-se na cozinha de Jorge e decompôs todo o seu faqueiro de prata. Não que ele desse tanto valor assim para os talheres, mas surpreendeu-se com a rapidez com a qual eles se desmancharam no ar. Concluiu que sua descoberta era uma bomba de efeitos arrasadores e mesmo quando o espírito parecia se decompor, ele se mantinha metaestável. Depois da morte de Jorge, coube a Jacques conduzir o relacionamento com o elemento perigoso. Sendo Jacques um sujeito multifacetado, assim via as possibilidades de desenvolvimento em todos os demais seres. Mas só conseguiu converter o espírito e

Um dia crítico

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Gianluca tinha acabado de sofrer um grande revés. Depois de anos trabalhando fielmente para a mesma empresa fora demitido sumariamente por mascar chiclete na porta do banheiro feminino. Sua nova chefe era uma feminista radical e entendeu que aquela atitude configurava assédio sexual à estagiária que saia do banheiro no exato momento em que ele estourava a bola da goma de mascar. Além do desemprego ele teria de enfrentar a penúria. Demitido por justa causa não iria receber um centavo de direitos trabalhistas. À medida que caminhava para casa pensava em como explicar a situação para a mulher. Ana era amorosa e compreensiva, mas será que seu argumentos a convenceriam que não estava abordando outra mulher? Como explicaria a demissão? Resolveu preparar o espírito de Ana. Enviou um torpedo dizendo que tinha más notícias. Ela respondeu cheia de interrogações. Disse que tinha sido demitido. Em segundos seu celular tocou. Contou parte da história, omitindo a cena do chiclete. Queixou-se da inju

Traição fosfórica

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Quem está habituado a frequentar esse blog sabe que eu sou um traidor contumaz , já traí aos montes e quando me dá a coceira eu traio sem perdão. Dessa vez a vítima foi Jacques Prevért e a sua caixa de fósforos. Não tenho direito a perdão. Três fósforos Três fósforos acesos um a um noite adentro O primeiro mostra teu rosto inteiro O segundo a refletir o brilho dos teus olhos A iluminar tua boca o terceiro E toda escuridão a me lembrar cada pedaço Enquanto te acolho nos meus braços Para quem prefere a versão original sem legendas, aí vai: Trois allumettes une à une allumées dans la nuit La première pour voir ton visage tout entier La seconde pour voir tes yeux La dernière pour voir ta bouche Et l'obscurité tout entière pour me rappeler tout cela En te serrant dans mes bras (Jacques Prevért)

O efeito boursin

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Raquel não era nenhuma especialista em queijos, ainda que gostasse de experimentar variedades diferentes de tempos em tempos, mas admitia que não entendia nada do assunto, limitava-se a gostar ou não gostar. Até conhecer Amaral. O namorado era um fanático pelo assunto. Era capaz de diferenciar cada um dos 246 tipos de queijos franceses de olhos fechados. Não era um chato que só falava disso ou que ficasse fazendo citações de Mucor Miehei mas, sempre que podia apresentava um novo tipo de queijo para Raquel. Numa das vezes que sairam para jantar ele pediu, depois do café, um queijo de nome diferente. Explicou que era um queijo fresco feito a partir de leite de cabra e creme de leite, originário da Normandia, geralmente acrescido de ervas ou amêndoas e frutas secas. Raquel adorou o queijo, a ponto de Amaral pedir uma segunda porção. A partir daquele dia, todas as vezes que ia ao supermercado, Amaral trazia uma fatia do tal queijo para ela. Um dia, ao encontrar Amaral, Raquel comentou que

Bacalhau do Alberto

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Na semana passada recebi a ilustríssima visita do meu primo Alberto (que nunca gostou de ser chamado de Alberto Carlos por temer ser atropelado por um trem antes que alguém conseguisse dizer seu nome inteiro...Alberto Carlos olha o trrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...pluft!!) Como nos tempos ancestrais quando ele me levava para almoçar em restaurantes do centro financeiro do Rio de Janeiro, o papo foi muito mais do que agradável. Falamos de música, de cinema, de casamento, de mercado imobiliário (onde ele trabalha), de igreja, da família, dos filhos (não, sobre esses eu não falava na época do Rio, pois não os tinha). Para preparar um jantar adequado perguntei antes se ele tinha alguma restrição alimentar. Ele só dispensou a buchada de bode, por motivos religiosos, é claro. Resolvi fazer bacalhau. Como não tenho o hábito de fazer um prato duas vezes da mesma maneira matutei como deveria cozinhar o ilustre cod gadus morhua e me saí com a seguinte receita: Peguei duas postas de lombo de bacalhau d