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Mostrando postagens de 2020

Vlud, o empanador

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  Meu nome é Vosferatu Drakul mas sou mais conhecido como Vlud, o empanador, epíteto que me foi dado pelos meu dotes culinários. Segundo meu pai, somos descendentes diretos de Vlad, voivoda da Valáquia, temos o seu sangue, além de outros tantos que nos foram transmitidos pela genética ou pelo consumo. Eu seria apenas mais um vampiro comum, ainda que de ascendência nobre, não fossem alguns dos meus hábitos peculiares que me afastam dos meus semelhantes. O ponto mais crítico na minha relação com a comunidade hematófaga é o fato de que eu adoro alho. Cru, frito, assado, cozido ou torrado. Não que eu não seja um consumidor habitual de outros acepipes. Como tantos vampiros, gosto de morcela, molho pardo, vinho tinto, tomates, beterrabas e frutas vermelhas. Carnes só as muito mal passadas, quase cruas. E sangue, é claro. De preferência o AB negativo. Meus coetâneos me desprezam pelo meu olor satívico, não me entendem e, provavelmente, nunca me entenderão. Nem Radu, nem Mircea,

Walden, a vida como um projeto de tédio

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Depois de um tempo de interrupção, hoje acabei de ler Walden, considerado o texto clássico de David Henry Thoreau. O enredo do livro é muito simples. O autor retira-se em 1845 para a floresta da Nova Inglaterra, próxima à cidade de Concord, onde constrói com as próprias mãos, sua casa e seus móveis, passando a viver com o mínimo necessário e em intenso contato com a natureza. Isola-se da sociedade, não por misantropia - ele recebe visitas e as retribui - mas com o propósito de obter uma maior compreensão da sociedade e de descobrir as verdadeiras necessidades essenciais da vida Sob o risco de ser execrado pelos fãs do autor, julgo ter sido um dos livros mais entediantes e chatos que li na minha vida. Thoreau, que é um excelente poeta e, na maioria dos seus textos, um bom ensaísta, se tornou um mito pelas suas posições anarquistas e pacifistas e, especialmente, pelo fato de ter sido preso ao se recusar a pagar impostos a um governo escravagista e também porque se r

Pandemia eterna

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Não é de hoje que está em curso um vírus que tem afetado muitas pessoas. Diferentemente de outras cepas, essa não prejudica quem está infectado, mas quem convive com as pessoas que o contraíram. Desconheço sua origem, mas, certamente, não surgiu a partir de animais silvestres, nem foi criado em laboratório de genética. Diga-se de passagem, ele não afeta nenhum animal, exceto o homo , dito sapiens . Denominado vocêtemque ele faz com que seu portadores, continuamente, fiquem impondo suas ideias e soluções para outras pessoas. É uma profunda disseminação de vocêtemque isso, vocêtemque que aquilo, vocêtemque aquilo outro. Apesar de ser um vírus que se manifesta mais nas relações pessoais, ele não é incomum nas relações de trabalho, uma vez que quem carrega o vírus não sabe muito bem distinguir uma situação da outra. Os afetados pelo vírus, geralmente, não praticam aquilo que preconizam, uma vez que um dos efeitos colaterais da contaminação é o de criar uma camada de

Atos de Deus

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Quando uma seguradora coloca nas ressalvas do seu contrato que a apólice não está coberta por “atos de Deus” 1.     Essa regra vale para quem acredita em qualquer deus ou só para algum específico? 2.     Os ateus estão liberados da cláusula? 3.     Os agnósticos podem questionar judicialmente a impossibilidade de provar a existência ou não existência de Deus? 4.     Os fatalistas que, em qualquer situação, dizem que foi a vontade de Deus, recebem o valor do seguro em caso de sinistro? 5.     Os politeístas ficam descobertos? 6.     Os que endeusam a si mesmos podem declarar que foi contra a vontade deles? 7.     Os que endeusam outras pessoas, precisam mencionar isso na contratação?

Caminhos difíceis e turbulentos

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Caminhos difíceis e turbulentos ( Rough and rowdy ways ) é o novo álbum do senhor Robert Allen Zimmerman, a.k.a, Bob Dylan, que bem poderia se chamar dias difíceis e turbulentos em tempos de pandemia. De qualquer forma, sua temática não é a crise mundial, mas muito da história e das referências do seu autor. Como diz meu amigo Omar Giammarco, não é à toa que esse jovem que em 2021 vai completar 80 anos, ganhou um prêmio Nobel de literatura.  Ok, é apenas um compositor popular você vai argumentar, e eu contra argumentarei que sua poesia não é nada popular, ainda que ele, como músico, seja um dos grandes ícones populares da história. É só a minha opinião, mas eu o considero o maior poeta de língua inglesa do pós guerra, coincidentemente, começa a aparecer na época em que morreram Cummings e Sylvia Plath. O disco começa, não por acaso, com I contain multitudes , verso de Walt Whitman, que nele dizia que prosseguia para completar sua próxima dobra do futuro. Dylan vai rever o

Todo mundo se acha expert em estatística

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Paramécio sofria de cibercondria, uma doença cada vez mais comum nos meios digitais. Ele era uma pessoa média, nem sempre muito ponderada, mas habitualmente bastante móvel. Sua principal margem de erro era ter alguns desvios padrões de personalidade que se manifestavam com muita frequência e que eram derivados integralmente de sua autoestima superdimensionada e do fato de nunca ter passado nas provas de matemática sem colar. Todas as manhãs acordava com dores nos quartis, o que sugeria um quadro sinóptico de inflamação da mediana. Apesar desse mal estar fora de moda, isso provocava grande dispersão de sinapses e crises de variância que eclodiam em opiononite aguda em redes sociais. Palpitava, aleatoriamente, sobre qualquer número que lia, de forma determinante. Nenhum senso crítico. Nenhuma correlação. Um hiperbólico sem efeitos de tratamento. Ignorava os intervalos contextuais, desprezava as relevâncias e, à guisa de impropério, atribuía a seus desafetos a alcunha

A vã filosofia

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No meio da diafonia tinha uma eidos Tinha uma eidos no meio da diafonia Tinha uma eidos No meio da diafonia tinha uma eidos Nunca me esquecerei dessa aporia Na minha vida de doxas isostheneias em epokhe Nunca me esquecerei que no meio da diafonia Tinha uma eidos Tinha uma eidos no meio da diafonia No meio da diafonia tinha uma eidos.

Revogam-se as disposições em contrário

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Chavões, lugares comuns, ditos populares, sabedoria de para-choque de caminhão, clichês, frases estereotipadas e até fórmulas de sucesso do universo da auto ajuda estão ruindo em um mundo pandemoníaco. Ao mesmo tempo, descobrimos que tínhamos ouvido profetas sem perceber: “nada do que foi, será, do jeito que já foi um dia”; “nada será como antes, amanhã”; “das verdades que eu sabia, só sobraram restos”. Como brincava um autor desconhecido (falsamente atribuído a uma infinidade de pessoas de Adão a Luis Fernando Veríssimo e, claro, os indefectíveis frasistas fake da internet, Clarice Lispector e Arnaldo Jabor), no dia em que eu tinha descoberto todas as respostas da vida, mudaram todas as perguntas. Por essas e outras fica editada a seguinte lei. Art. 1 Com efeito imediato, fica expressamente proibido o uso das seguintes frases e termos, bem como suas respectivas variações: a)     Pior do que está não fica b)     Chegamos ao fundo do poço c)      O que não

A imprecisão da assertividade

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Quantas vezes você ouviu ou leu a palavra assertividade (ou assertivo) nas últimas 24 horas? Caso tenha sido menos de uma dúzia de vezes, imagino que você seja uma pessoa reclusa que prefere ficar com seus livros e seu gato a ler jornais, revistas e navegar nas redes sociais. Até porque o uso da palavra se disseminou em todas as direções possíveis e o vocábulo virou sinônimo de todas as palavras da língua que tenham alguma relação com esforço, motivação, precisão e, pasme, correção e acerto (alguns chegam ao cúmulo de grafá-la como “acertividade”). Eu tenho problemas com buzzwords, ou como dizem os millenials, as modinhas. Quando um termo (sigla, palavra, expressão) começa a ser repetido à náusea, eu fujo dele. Vade retro, como diriam os exorcistas da idade média. Ao mesmo tempo, sou um curioso e gosto de aprender. Então fui atrás das definições corretas da palavra. Consultei as melhores fontes que conheço em 4 línguas (veja abaixo) e concluí que: Assertividade tem a ver com respon

Um dia de muvuca fake

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Em mil novecentos e pó eu passei alguns dias em Nova York, depois de um congresso em outra cidade dos Estados Unidos. Uma das atrações da cidade (e ainda é até hoje), era o Museu de História Natural e, como bom rato de museus, fui conhecê-lo. Além de todas as maravilhas que tive a oportunidade de ver, o museu estava apresentando uma exposição temporária sobre Leonardo da Vinci, absolutamente espetacular. Muitas peças do seu acervo mecânico originais. Alguns quadros originais (claro que não a Mona Lisa que, ao que eu saiba, não costuma passear fora do Louvre) e muitos desenhos, especialmente os projetos e os de anatomia. Originais. A grande atração, no entanto, eram os pergaminhos originais com seus escritos, que estavam sendo mostrados pela primeira vez fora da Itália e, para isso tinham um sistema de sensores em que a iluminação só era ativada quando um visitante se aproximava para ver. Anos depois, já nesse milênio, uma exposição também muito bem montada, foi apresentada na Oc