Um dia de muvuca fake




Em mil novecentos e pó eu passei alguns dias em Nova York, depois de um congresso em outra cidade dos Estados Unidos.

Uma das atrações da cidade (e ainda é até hoje), era o Museu de História Natural e, como bom rato de museus, fui conhecê-lo.

Além de todas as maravilhas que tive a oportunidade de ver, o museu estava apresentando uma exposição temporária sobre Leonardo da Vinci, absolutamente espetacular. Muitas peças do seu acervo mecânico originais. Alguns quadros originais (claro que não a Mona Lisa que, ao que eu saiba, não costuma passear fora do Louvre) e muitos desenhos, especialmente os projetos e os de anatomia. Originais.

A grande atração, no entanto, eram os pergaminhos originais com seus escritos, que estavam sendo mostrados pela primeira vez fora da Itália e, para isso tinham um sistema de sensores em que a iluminação só era ativada quando um visitante se aproximava para ver.

Anos depois, já nesse milênio, uma exposição também muito bem montada, foi apresentada na Oca do Ibirapuera. Fui até lá de novo, revi algumas coisas conhecidas. Eram poucos os originais, mas a maioria das peças eram reproduções feitas por artesões italianos a partir dos projetos originais.

Até cair na armadilha da exposição que está em cartaz atualmente no MIS Experience, que declara que “Os visitantes também terão a oportunidade de conhecer, pela primeira vez, a mente do homem que lançou as bases para algumas das invenções mais notáveis da sociedade moderna.” (o grifo é meu).

Um show de horrores.

Começa pelo fato de que, mesmo em um espaço amplo, o número de pessoas que entra de cada vez (500 segundo um dos monitores), somadas às que ainda não saíram, torna o lugar uma muvuca. É quase impossível se movimentar. Será que não dava para reduzir esse número ou a ganância é irresistível?

Para agravar (e isso não é culpa dos expositores, mas conhecendo o público, deveriam prever essa situação), as pessoas passam mais tempo tirando selfies diante das peças do que realmente observando o que está sendo exposto (alguns inclusive achando que estão diante da Mona Lisa original e, talvez, queiram mostrar para os seguidores que estão em Paris). Minha sugestão, proibir os celulares dentro da exposição e montar uma área de selfies, também fake.

Por fim, todas as peças são reproduções de origem não documentada. Você se sente como se estivesse diante de um bom livro ou documentário de Da Vinci, mas para isso, não preciso sair de casa, pagar ingresso, enfrentar os flanelinhas e, especialmente, lidar com a muvuca.

Minha sugestão: se ainda não foi. Não vá. Passe numa boa livraria de artes. Compre qualquer um dos excelentes livros que existem a respeito dele e usufrua da arte e do engenho do mestre em paz.

Ok, se não conseguir resistir, tire um selfie segurando o livro.

Comentários

Excelente, lamentávelmente o ego foi para a palma da mãe ao invés de se manter onde estava...essa é a cultura brasileira!
Fábio Adiron disse…
Acho que o ego anda tão inflado que anda se espalhando pelo corpo todo. Obrigado pelo feedback

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