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Mostrando postagens com o rótulo gato

Carinho essencial

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Vi-a de longe. Sabia muito bem o que era, apesar de ver apenas um vulto negro com dois grandes olhos amarelos olhando na minha direção. Parei onde estava e fiquei esperando que algo acontecesse. Nenhum movimento. Apenas os olhos que, de tempos em tempos, piscavam. Era um olhar intenso, sedutor e, ao mesmo tempo, assustador. Dei um passo adiante e ela, de forma assustadiça se moveu, como se esperasse qual seria a minha atitude para definir sua próxima ação. Sentei no chão e fiquei, em meio à escuridão, esperando que ela tomasse alguma atitude. Ela esperou mais um pouco e, depois de alguns minutos de silêncio, moveu seu corpo esguio, cheio de curvas. Me olhou com um jeito superior querendo ressaltar sua independência. Sua elegância caminhando na minha direção era emocionante. Sem que eu fizesse nada, ela se aconchegou no meu colo esperando um carinho que sabia estava guardado só para ela. Cochilamos juntos. Enroscados um no outro, sonhamos céus e oceanos.

Einfühlung

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Olavo tinha acabado de lançar seu quarto longa metragem. Desde que lançara o bem sucedido "Um amor improvável", todo ano rodava um novo filme. Um melhor que o outro. Era convidado para palestras e para festivais por todo país. Os críticos o admiravam e diziam que tinha atingido o ponto sublime de perscrutar a alma humana, particularmente a alma feminina. E a cada novo filme, Olavo surpreendia a todos, conseguia ser mais profundo e, ao mesmo tempo mais claro e objetivo. Todos queriam saber o seu segredo, de onde tirava as idéias e, principalmente, como conseguia ser tão sensível ao universo feminino. Todos os seus filmes tinham como protagonistas mulheres. Para Olavo isso lhe parecia tão simples. Sempre que questionado dizia que sua musa o inspirava. O que gerava ainda mais curiosidade pois ninguém sabia que musa era essa. Olavo nunca era visto com ninguém. Apesar de conviver com várias atrizes sempre mantinha uma distância profissional delas. Nas poucas vezes que era visto em...

Conticulóides zôoftalmológicos

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Miopia A leoa, exímia caçadora das savanas, escondida, observava a manada de gnus que se aproximava lentamente dela. Lambia os beiços só de pensar no regabofe que teria naquela noite. Deu o bote e avançou feroz. Quando chegou perto percebeu que não eram gnus, mas rinocerontes. Demorou mais de dois meses para se recuperar das múltiplas fraturas Hipermetropia Arnolfo, o jacaré, morava naquela lagoa desde que nascera. Ali dera suas primeiras nadadas, comera as primeiras tilápias, casara e reproduzira. Conhecia cada palmo do lugar e vivia sossegado. Até o dia em que, chegando em casa encontrou a mulher e deu-lhe um abraço de tamanduá. Foi o suficiente para sentir uma forte mordida no rabo. Não era a sua casa, nem aquela a sua mulher. Astigmatismo Tato, o sapo, estava emagrecendo a olhos vistos, mas ninguém conseguia descobrir o porquê, ele se recusava a admitir qualquer problema. Um dia sua amiga rã Zinha observando-o à beira do brejo descobriu seu segredo. Ele não conseguia caçar mosquito...

A sedução de uma gata

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Banshee era uma gata mimada. Assim tinha sido criada pelo seu dono e assim se convenceu de que era a rainha da sua vida. Solitário, ele a adotou de forma impulsiva. Não tinha mais esperança de ter alguma companheira. Ela surgiu, como que do nada, em visitas esporádicas no seu quintal. Ele começou a tentar atraí-la dando sinais de que sua presença era bem vinda. Ela demorou um pouco a perceber isso. Nas primeiras vezes que ele se aproximou ela fugiu. Depois começou a observá-lo à distância. Finalmente ela sentiu que ele gostava dela. De certa forma, ela também gostava daquele jogo de sedução. Quando ela se instalou de vez em sua vida ele começou a cobrí-la de mimos. Ela retribuia com sua atenção e o seu carinho. Todas as noites, depois que ele chegava do trabalho, ela se acomodava no seu colo. Ele descobriu que Mozart agradava a bichana, especialmente os concertos. Bastava ligar o som, e ela entrava pela janela. Quando ele estava triste, ela rolava no chão pedindo brincadeiras. Quando ...

Nala

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Quando eu a conheci foi paixão à primeira vista. Bonita, esguia, sedutora. Mas ela era muito reticente. Nos primeiros encontros ela me ignorava. Quando muito me lançava um olhar desconfiado. Mesmo assim eu sempre tentava seduzí-la. Ela me esnobava solenemente. Não me lembro exatamente quando foi que o gelo quebrou e ela se dignou a me dar um pouco de atenção. Não muita. Ela era econômica nos seus afetos. Enfim, deixei que ela me descobrisse. Ela, no seu tempo, foi me explorando e até permitia que eu a tocasse. O tempo passou, aos poucos nos tornamos mais próximos. Ela não se escondia mais quando eu chegava. Um dia me surpreendeu e sentou ao meu lado no sofá. Encostou a cabeça no meu colo e eu a acariciei longamente. Depois disso nunca mais deixamos de nos alegrar mutuamente. Me divertia com as suas aventuras. A vida acabou nos afastando, tinha cada vez menos chances de vê-la. Mesmo assim ela não se esquecia do meu amor. Há poucos dias soube que estava doente. Hoje soube que ela morreu ...

Conticulóides felinos

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Siamêsa Diana tinha uma voz e uma forma de falar inconfundível, especialmente quando estava junto de Alfredo. Até o dia em que ele resolveu provocá-la e, na frente dos amigos brincou sobre a sua sexualidade precoce. Ele nem teve tempo de percebê-la subindo na mesa e atirando-lhe o lustre na cabeça. Angorá Nada tirava Andréia do sério. Sempre bonachona era amiga de todas as pessoas. Só não contava com a perda repentina dos longos cabelos sedosos. Piolhos não perdoam ninguém. Persa João Alberto conheceu Mariana ainda na adolescência. Era uma figura muito comum, corpo robusto, cabelos longos, nariz de batatinha e ancas largas. Podia ser reconhecida de longe. Ele a perdeu no dia que ela se apaixonou por um geneticista que a convenceu a fazer uma plástica completa. Shorthair Joana malhava todos os dias na academia ao lado da faculdade, parecia uma fisioculturista. O que não a impediu de fugir correndo quando viu o marido chegando com um 38 na mão. Escapou pela janela do vestiário. Vira lat...

Hematófagos no Itaim Bibi

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Entre fumaça e buzinas eles se escondem durante todo o dia, nas tocas, nos beirais, nas poucas árvores que resistem à devastação urbana. Começam espreguiçar-se quando o sol se põe mas continuam nos seus refúgios, ainda há excesso de luz de faróis e o barulho vindo dos bares da região ainda soam ameaçadores. Na madrugada abrem as asas e saem em busca de subsistência. Frutas, restos de alimentos. E sangue, se não houver outra alternativa. Percorrem janelas abertas, vasculham cozinhas, fruteiras, plantas de varandas. Observam atentamente os lixos das pias. Dirigem-se aos quartos. Alguns já aprenderam onde encontrar cardápios mais sedutores, especialmente em noite de calor quando as pessoas estão pouco cobertas... Muitos vão e voltam todas as noites, como as pombas do Correa. Outros mudam seus caminhos e tentam vôos mais longos em direção a destinos menos árduos. Mas quando um deles encontra Nala, a gata, a história se encerra. Só servem para que ela demonstre, no dia seguinte, à sua dona,...

Júlia

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Morto. Para a surpresa de todos ele fora encontrado na cadeira da sala com a televisão ligada, alguns cigarros apagados no cinzeiro e um copo de leite caído no chão. Pensaram no coração, um ataque súbito. Mas era pouco provável, apesar de fumar sempre tivera uma vida atlética e nunca descuidara da saúde. Suicídio ? Impossível. Ele andava muito feliz nos últimos tempos. Quem o encontrou foi Rosângela. Pensou que estivesse dormindo. Desmaiou quando notou o acontecera. Quando voltou a si chamou os amigos. Depois a polícia. A autópsia não acusou absolutamente nada. Perplexidade. O corpo demorou dois dias para ser liberado pelo IML, os médicos se recusavam a assinar o atestado de óbito. Mas tinha de ser enterrado. Acabaram indicando insuficiência cardíaca. Ninguém acreditou. A causa da morte não estava no seu corpo. Naquela noite Gérson havia chegado cedo em casa, pensara em ligar para Rosângela para irem ao cinema, acabou desistindo. Teria de acordar cedo no dia seguinte e os programas com...

Mephisto

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Felina. Seus olhos brilhavam alegres ao ver as fotos de que ouvira falar tanto. Sequer percebia o que se passava ao redor. O cachorro olhando pela janela. O disco que tocava um antigo musical. Ele a admirando em silêncio. Era uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo e se deliciava à exaustão na pesquisa de todos os seus recursos. No fundo do quarto dois olhos caminhavam silenciosamente. Escorregavam entre os móveis, paravam embaixo da cama. Calmos, não imaginavam o que se passava na sala. Adormeciam. Acabavam de chegar de uma frustrada ida ao cinema. Resolveram voltar para casa. Rever fotos. Para ele, uma forma de lembrar tempos mais felizes. Para ela, um jeito sutil de conhecê-lo melhor. Ela virava as páginas do álbum compassadamente. Às vezes parava e conversava um pouco. Não queria dar a impressão de estar interessada demais. O volume da música acordou Mephisto, fazendo-o sair de debaixo da cama e caminhar em direção à escada. Desceu sonolentamente. Olhos embaçados de que...

O sorriso de gata da Alice

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Em 1986, Anne Bancroft (linda como sempre) e Anthony Hopkins (nada assustador como costumava ser) protoganizaram uma pequena jóia do cinema chamada "84 Charing Cross Road", pessimamente traduzida (como sempre) em "Nunca te vi sempre te amei" (o que já conta o desfecho da história....como na tradução do filme de suspense que virou "O assassino era o mordomo") Quem nunca viu, veja. Procure nos sebos, nas video locadoras que tem filmes de arte. É a história da correspondência (por carta de papel, selo, correio....) entre a escritora Bancroft, em Nova York e o livreiro Hopkins em Londres (o nome do filme é o endereço da livraria). É a história de uma grande paixão. A paixão comum que os dois tinham pelos livros. Sempre que troco mensagens com a minha amiga Alice eu me lembro dessa história. Não a conheço pessoalmente (claro que, em tempos de Internet, nós temos a vantagem de já termos visto um ao outro em fotos dos álbuns virtuais) mas, em alguns momentos, é ...