Embriaga-te de Baudelaire

 

Existem livros que lemos na juventude e por mais que tenhamos gostado acabamos nunca voltando a eles. 

Outros aos quais voltamos e nos perguntamos por que diabos eu tinha gostado disso?

Nos últimos tempos voltei a ler Baudelaire. E me pergunto por que diabos demorei tanto para relê-lo?

O "Spleen de Paris", também chamado de pequenos poemas em prosa é algo que deveria  viver na minha cabeceira. 

Spleen, na acepção francesa da palavra (não confundir com o inglês onde quer dizer baço, ou sentimento de contrariedade) tem o sentido de melancolia. 

A melancolia do vadio Charles pelas ruas e salões de Paris é doce, amarga, leve, dolorosa, compassiva e cruel. Precisa na escolha das palavras e infinitamente mais poética (resgatando o sentido helênico de poiesis como atividade que revela a beleza do espírito, envolvendo, portanto, prazer e satisfação) que muita coisa escrita em verso que circula por aí.

Deixo aqui uma amostra, o pequeno poema XXXIII (na tradução de José Lino Grunewald, a que melhor consegue verter as palavras e o espírito baudelaireano, a versão original está logo abaixo)

Embriaga-te

Deve-se estar sempre bêbado. Está tudo aí: é a única questão. A fim de não se sentir o fardo horrível do tempo, que parte tuas espáduas e te dobra sobre a terra, é preciso te embriagares sem trégua.

Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.

E se alguma vez sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de uma vala, na sombria solidão de teu quarto, tu acordas com a embriaguez já minorada ou finda, peça ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo aquilo que gira, a tudo aquilo que voa, a tudo aquilo que canta, a tudo aquilo que fala, a tudo aquilo que geme, pergunte que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, te responderão: "É hora de se embriagar! Para não ser como os escravos martirizados do tempo, embriaga-te; embriaga-te sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtude, a teu gosto."

Enivrez-vous 

Charles Baudelaire, Petits poémes en prose, 1869

Il faut être toujours ivre. Tout est là: c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.

Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront:

"Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise."

Descrição da imagem: uma mesa com toalha branca e várias garrafas vazias ou meio cheias (ou meio vazias, se preferir)

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