Cozinhando com vinho


Lição nº 1: Riquewhir, um pedaço de fim de mundo na Alsácia, 1994. Entro em um restaurante local para comer o prato mais tradicional da culinária franco-alemã, o chucrute que, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas repolho azedo, mas uma combinação de vários tipos de carne suína que são cozidas e depois assadas em uma chapa quente (muito parecida com a parrilla argentina) e servida com batatas cozidas e, é claro, repolho azedo. Na época, tinha recém descoberto um vinho da região, leve de gosto e complicado de nome, o Gewurztraminer, e pedi uma garrafa para o dono do restaurante. Ele me olhou com uma cara de pena e me falou que a carne do chucrute era cozida em vinho Riesling, logo não seria bom que eu tomasse um vinho diferente do que fora usado no cozimento. Claro, bebi o Riesling.

Lição nº 2: São Paulo, um pedaço de fim de mundo na América do Sul, 1999. Durante uma aula de culinária no evento Boa Mesa, uma pessoa interrompe o chef Emmanuel Bassoleil que demonstrava um receita feita à base de vinho Borgonha e pergunta a ele se não dava para substituir o vinho Borgonha por outro tinto mais barato. O bem-humorado Bassoleil olha para o auditório com uma cara de certo desgosto e responde que um molho à base de vinho vai ser tão bom quanto for o vinho, se a pessoa tiver expectativa de um prato barato, pode usar um vinho barato.

Essas duas histórias sintetizam bem a questão do uso do vinho na culinária e se contrapõem a dois costumes bastante freqüentes nos nossos hábitos. O primeiro deles é o de usar vinhos baratos que vão servir "apenas de temperos", o outro é o de esquecermos qual vinho que usamos no prato quando o levamos para a mesa. O ponto fundamental da combinação de vinhos e pratos é o equilíbrio, se ele já é necessário quando combinamos pratos que não foram feitos com vinhos, quanto mais quando o são.

Imagine-se na seguinte situação: você resolve finalmente fazer aquele legítimo risoto milanês que sempre gostou de comer no restaurante. Numa visita ao supermercado, compra um pacote de arroz italiano carnaroli, uma manteiga de primeira linha, escolhe cuidadosamente as cebolas, gasta uma fortuna por dois gramas de açafrão italiano ou espanhol, manda ralar na hora o parmesão e, antes de passar no caixa, compra uma garrafa de Château du Catiripipó, daqueles que custam R$ 2 o galão, afinal só vai usar mesmo meia xícara. Conforme cozinha o risoto, começa a perceber que ele não dá ponto. Pior, os grãos que deveriam ficar "al dente" estão duros como pedras. Claro, você vai jogar a culpa no arroz, chega mesmo a olhar na caixa se não está com o prazo de validade vencido. Depois pensa que deve ter sido a receita que você usou que deve estar com algum erro tipográfico ou tem algum segredo que não foi revelado. Quando percebe que o risoto não vai mesmo sair bem feito joga tudo fora e fala para si mesmo que nunca mais vai tentar fazer esse negócio de novo. Nem se lembra do vinho vagabundo que foi usado, mesmo porque meia xícara não poderia ter um efeito assim tão devastador.

Mas, vamos supor que os deuses da culinária, que moram no alto do monte Cordon Bleu, tenham colaborado com a sua aventura gastronônomica e, apesar do vinho, o risoto fique ao menos tragável. Ao chegar com o prato na mesa, alguém faz a mesma observação que o nosso amigo de Riquewhir fez - você teria coragem de servir aos seus convidados um legítimo Château du Catiripipó?? Claro que não. Você provavelmente vai trazer a sua melhor garrafa de vinho branco que, curiosamente, vai ter um gosto bem diferente do prato que está sendo servido.

Se você pretende fazer pratos com vinhos, nunca perca de vista esta regra: o vinho que se bebe é o mesmo com o qual se cozinhou. Isso vai fazer com que você, instintivamente, se recuse a cozinhar com vinhos que você não beberia e nunca vai ter de se preocupar se o vinho combina com o prato.

Ah...você quer saber como se faz o risoto ? Aí vai :

Risotto alla Milanese

(para 4 pessoas)


1 colher de sopa de cebola picada bem miúda
4 colheres de sopa de manteiga
2 xícaras de arroz carnaroli (não se lava arroz de risoto, um dos segredos da "liga" do mesmo);
½ xícara de vinho branco seco (leia o comentário acima de novo);
1 ½ litro de caldo de carne (se possível feito em casa);
3 envelopes de açafrão (não de curcuma que só dá cor e nenhum gosto);
4 colheres de sopa de parmesão ralado.

Doure a cebola em metade da manteiga. Junte o arroz e refogue por cerca de 3 a 4 minutos (de forma que os grãos fiquem bem envoltos pelo caldo de manteiga e cebola). Adicione o vinho branco e deixe evaporar em fogo alto. Junte aos poucos o caldo de carne (quase em ponto de fervura - à medida que o arroz for secando acrescente mais caldo e nunca deixe secar completamente). Depois de 10 minutos acrescente o açafrão dissolvido em um pouco do caldo. Continue mexendo. Quando o arroz estiver cozido, mas "al dente" retire do fogo e misture bem o restante da manteiga e o parmesão ralado. Sirva imediatamente (senão fica ressecado). Segredo fundamental: nunca pare de mexer o risoto até a hora de ser servido.

Comentários

Taty disse…
Vem cozinhar pra mim, vem........E traga TODOS os ingredientes, eu ficarei só na inspeção!
Ô culinarista safado, não jantei ainda viu? Deu mais fome!

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Mais ditados impopulares