Por Toutatis !


Dentre os meus muitos desastres culinários tem um em que insisti durante muito tempo até finalmente chegar a uma solução satisfatória. Minha relação com o singularis porcus, como o chamavam os romanos dos tempos de Asterix, e depois denominado simplesmente de sus domesticus, sempre foi de amor e perdição. Sempre que o encontrava em um restaurante me esbaldava, sempre que me defrontava com ele na cozinha, entrava pelo cano.

Fiz várias tentativas. Assado, cozido, grelhado. Tentei com o pernil, com a costela, com o lombo. Nada funcionava, chegava sempre a duas opções de resultado : ou o bicho ficava duro como pedra, ou ficava emborrachado, daqueles que você morde morde morde....e morde, morde e morde.

Comecei apelar para os métodos tradicionais de amolecimento. Deixar de molho no vinho. Encher a assadeira de azeite. Temperar como doses cada vez maiores de manteiga. Nada funcionava. Mudei de fornecedor de carne, vasculhei a Internet em busca de algum segredo ancestral de tratamento prévio. Pensei em subornar algum maître para me entregar o segredo do chef. Acabei desistindo. Teria de contentar nas oportunidades que o nossos encontros fossem arranjados por terceiros.

Antes de sair de férias me deparei com costelas de javali no supermercado. Me vieram à memória minhas cruéis lembranças de todas as vezes que eu havia tentado seduzí-lo e ele me deixara na mão. Tentei ser durão, fazer de conta que não era para mim que ele estava piscando. Quase disse, no meio das gôndolas : " - você de novo não ! vou pegar o cordeiro que sempre correspondeu minha paixão."

Quando cheguei em casa com as costelas de javali minha mulher olhou e não disse nada. É verdade que eu senti um certo tom de pena quando, mais tarde, ela me perguntou : vai tentar de novo ? Levei o pacote para a praia e coloquei no freezer. Para não passar vergonha deixei para fazer durante a semana, quando ela não estaria por lá.

E não é que deu certo ? Não consegui ainda descobrir porque a carne ficou macia, crocante por fora e saborosa. Se foi o tempero complementar da maresia ou foi a ausência de olhares críticos. Foi suficiente para reacender a velha paixão.

De qualquer forma. Só vou cozinhar javali de novo quando estiver na praia. Acho que funciona melhor como romance de verão.


Costela de javali


Ingredientes
1 costela de javali (pesando aproximadamente 1.800kg)
3 colheres de sopa de sal grosso

Para a Marinada
½ litro de vinho tinto seco
1 xícara de café de vinagre de vinho tinto
1 copo de água filtrada
1 cebola grande descascada e picada
4 dentes de alho descascados e picados
1 xícara de chá de cheiro verde (cebolinha e salsinha misturadas) bem picadinho
1 colher de café de pimenta-do-reino preta em grãos
4 folhas de louro amassadas
1 colher de sopa de salsão picadinho

Num recipiente de plástico, vidro ou refratário (nunca de metal), junte todos os ingredientes da marinada, mexa com uma colher de pau, e depois coloque a costela de javali para curtir, tampe e deixe na geladeira durante uma noite.
Na hora de assar, retire da marinada, seque e enrole em papel alumínio (2 voltas), e leve ao forno durante uma hora e meia. Depois desse tempo, retire a carne do papel alumínio (com cuidado, para evitar queimaduras), e volte ao forno só para dourar. Primeiro com os ossos virados para o fogo, depois o outro lado.

Comentários

Anônimo disse…
Fábio, a(s) pergunta(s) que não quer(em) calar:
Sua mulher
1)Provou a iguaria?
2)Acreditou que vc acertou?
3)Alguém confirmou sua vitória?

Deve ter ficado uma delícia...
Beijo do SEM FIM...
Fábio Adiron disse…
Valeria

1. Não...ela perdeu essa
2. Acreditou porque
3. Tive testemunhas, meus filhos e minha mãe...
Anônimo disse…
Essa charada até eu sou capaz de matar. Elementar meu caro Adiron. Você não conhece a ficha toda do bicho. Você o assume a partir de certo ponto. O Fato é que existem javalis criados em Mato Grosso do Sul e existem javalis importados. Você pode imaginar que o importado é melhor, como tudo que é importado é melhor que o nacional. Não no caso dos javalis. Nesse caso, eles são importados de Moçambique a troco de pó de café. Sim, porque eles tem grande dificuldade em cumprir todo o ciclo do café por lá. Café moido e torrado em Moçambique é pior do que canja de galinha no Paraguai. Quem já tomou sabe do que estou falando. Então, eu arriscaria dizer que, dessa vez, você adquiriu javali genuinamente nacional e, com seu tempero único, ficou supimpa. Se fosse javali moçambicano ficaria borracha, de novo. Talvez porque eles os alimentem com folhas de seringueiras, por lá.
Unknown disse…
tive mais sorte com os meus. ficou bom demais, pediram bis, fiz again, pediram tris e virou receitinha que amigos sempre pedem.
bem, fiz ao vinho, era um bom vinho, hum, pro seu paladar deveria ser honesto, mas ao menos não dei vexame, tento, com uma crosta crocante por fora...hahhaha, morra de inveja..

bijim, tentarei sua receita assim que encontrar novas vitimas
Fábio Adiron disse…
Lou

Quem sou para discutir com alguém que já esteve em Moçambique, Angola e Albânia (em plena era Hoxa)
Claudia Grabois disse…
Bem, não como javali... mas aguardo ansiosamente uma receita de bacalhau. O meu ultimamente é uma decepção.
Taty disse…
Fábio, ainda bem que já tomei o café da manhã, senão teria que chamá-lo de cozinheiro safado novamente, hahahaha....
Você acertou desta vez pois talvez o teu ancestral Obelix tenha vivido em alguma costa francesa, hahaha.....ou será que você teve mais tempo pra curtir o animalzinho?
Anônimo disse…
Crie o bicho em cativeiro com ração pra cachorros, se a carne não ficar boa ao menos seus convidados poderão rir dos bichos latindo e coçando as orelhas com as patas! hahahaha

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Embriaga-te de Baudelaire