Palavras descruzadas
Antenor era um fanático das palavras cruzadas, podia-se dizer que ele era tarado pelas mesmas tal o prazer que sentia ao concluir cada uma das páginas das suas revistinhas. Começava sempre a ler o jornal pelas palavras cruzadas. Informação e notícias só depois de resolver as cruzadas do dia. No tempo em que as respostas só eram publicadas, quando não achava uma resposta acordava de madrugada no dia seguinte e só sossegava quando ouvia o som do jornal jogado na porta pelo porteiro do prédio.
"Darameçalá !! É isso, como é que fui errar essa ?!?"
Comprava revistas de graus de dificuldade cada vez maiores. Consultava seus dicionários e enciclopédias quando ainda não existia o Google. Chegou a fazer um curso de inglês para também resolver cruzadas nessa língua. Seu vocabulário era quase comparável aos dos grandes lexicógrafos tupiniquins. Começou a procurar exemplares antigos nos sites de leilão mas nunca encontrou uma cópia do jornal carioca A Noite, de 22 de abril de 1925 quando foi publicada o primeiro jogo de palavras cruzadas do país.
O problema é que, além de gostar de palavras cruzadas, Antenor era um conservador. Gostava mesmo dos jogos tradicionais com casa negras simétricas, se possível formando desenhos. Daquelas com indicação de verticais e horizontais, por isso tripudiou o surgimento das chamadas palavras cruzadas diretas, uma excrescência segundo ele. Pior, esse tipo de revistas trazia no mesmo exemplar as respostas no final, o que, segundo ele, tiravam todo o prazer do jogo.
Por algum tempo conseguiu manter-se fiel ao seu estilo. Um dia, porém teve o primeiro choque. Seu jornal trocou as palavras cruzadas tradicionais pelo modelo mais moderninho. Não teve dúvidas, cancelou a assinatura do jornal e continuou comprando só as revistinhas. Mesmo essas foram perdendo espaço nas bancas. Ficou limitado a uma única publicação que não era capaz de ocupar todo o seu tempo. E, mesmo essa trazia cada vez menos palavras cruzadas e mais de outros passatempos que não o seduziam.
Acabou, entre o lançamento de um exemplar e outro, comprando cruzadas diretas para não sofrer crises de abstinência.
A decadência começou quando Antenor passou a constatar que estava desaprendendo toda a sua vasta cultura inútil. Primeiro era um erro ocasional da editora da revista. Não deu muita bola. Essas coisas podem acontecer, pensou. Depois reparou que os erros se tornavam mais freqüentes a ponto de existirem vários em cada exemplar. Escrevia longas cartas reclamando, mas só recebia respostas padronizadas.
Até que um dia se deparou com a seguinte pergunta : "Metade de uma flor de raiz peciolada". Não chegando a nenhuma conclusão foi até as soluções da última página. Lá estava a resposta fatal : monocotiledônea. Teve um colapso nervoso. A polícia foi chamada para deter o louco Antenor lançando toda sua coleção de palavras cruzadas pela janela do 14o andar. Na última vez que foi visto, andrajoso, andava pelas ruas murmurando baixinho algo que parecia um mantra : monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio... monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio... monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio...
"Darameçalá !! É isso, como é que fui errar essa ?!?"
Comprava revistas de graus de dificuldade cada vez maiores. Consultava seus dicionários e enciclopédias quando ainda não existia o Google. Chegou a fazer um curso de inglês para também resolver cruzadas nessa língua. Seu vocabulário era quase comparável aos dos grandes lexicógrafos tupiniquins. Começou a procurar exemplares antigos nos sites de leilão mas nunca encontrou uma cópia do jornal carioca A Noite, de 22 de abril de 1925 quando foi publicada o primeiro jogo de palavras cruzadas do país.
O problema é que, além de gostar de palavras cruzadas, Antenor era um conservador. Gostava mesmo dos jogos tradicionais com casa negras simétricas, se possível formando desenhos. Daquelas com indicação de verticais e horizontais, por isso tripudiou o surgimento das chamadas palavras cruzadas diretas, uma excrescência segundo ele. Pior, esse tipo de revistas trazia no mesmo exemplar as respostas no final, o que, segundo ele, tiravam todo o prazer do jogo.
Por algum tempo conseguiu manter-se fiel ao seu estilo. Um dia, porém teve o primeiro choque. Seu jornal trocou as palavras cruzadas tradicionais pelo modelo mais moderninho. Não teve dúvidas, cancelou a assinatura do jornal e continuou comprando só as revistinhas. Mesmo essas foram perdendo espaço nas bancas. Ficou limitado a uma única publicação que não era capaz de ocupar todo o seu tempo. E, mesmo essa trazia cada vez menos palavras cruzadas e mais de outros passatempos que não o seduziam.
Acabou, entre o lançamento de um exemplar e outro, comprando cruzadas diretas para não sofrer crises de abstinência.
A decadência começou quando Antenor passou a constatar que estava desaprendendo toda a sua vasta cultura inútil. Primeiro era um erro ocasional da editora da revista. Não deu muita bola. Essas coisas podem acontecer, pensou. Depois reparou que os erros se tornavam mais freqüentes a ponto de existirem vários em cada exemplar. Escrevia longas cartas reclamando, mas só recebia respostas padronizadas.
Até que um dia se deparou com a seguinte pergunta : "Metade de uma flor de raiz peciolada". Não chegando a nenhuma conclusão foi até as soluções da última página. Lá estava a resposta fatal : monocotiledônea. Teve um colapso nervoso. A polícia foi chamada para deter o louco Antenor lançando toda sua coleção de palavras cruzadas pela janela do 14o andar. Na última vez que foi visto, andrajoso, andava pelas ruas murmurando baixinho algo que parecia um mantra : monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio... monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio... monocotiledônea não é um dicotiledônia cortada ao meio...
A história das palavras cruzadas pode ser datada desde 1700 a.C., se considerarmos o disco de Festos como o primeiro ancestral conhecido do jogo. Há também exemplos de cruzamento de palavras que recuam ao antigo Egito (1350 a.C) como a da imagem de hieróglifos cruzados criando um acróstico.Mas o jogo, nesse formato que conhecemos é de invenção relativamente recente, supõe que a revista St. Nicholas: For Girls and Boys publicou o primeiro jogo de palavras cruzadas da era moderna por volta de 1880. Se você gosta do assunto, Sérgio Barcellos Ximenes dedicou um site inteiro às suas descobertas sobre a História das palavras cruzadas.
Comentários
Nas entrelinhas.
;)