Somos todos deficientes intelectuais
Talvez nem todos saibam que eu sou pai de um menino com síndrome de Down (e de uma menina com síndrome de capataz - quer mandar em todo mundo) e, por esse motivo, já há alguns anos estou envolvido com as questões relativas à deficiência intelectual (isso mesmo, não se usa mais deficiência mental desde a Declaração de Montreal de 2004), especialmente a inclusão de todas as pessoas em todos contextos.
Tornei-me um militante da inclusão, participo de grupos, de comunidades, bato perna falando e ouvindo sobre o tema e já estive em lugares que eu nem sabia que existiam. Como, além de falar, eu gosto de ler e de escrever, além dessas insanidades escrevo sobre vários assuntos nas mais diversas mídias. Divido meus escritos em quatro categorias : marketing, inclusão, teologia (sou protestante e professor de teologia sistemática) e, claro, insanidades. Também leio bastante sobre tudo isso e mais um pouco.
Desde que o Samuel nasceu tentam me provar (ainda não me convenceram e, à medida que ele cresce, me convenço menos ainda) que existem algumas áreas do raciocínio que são problemáticas nas pessoas com deficiência intelectual : percepção, memória, abstração e capacidade de interpretação. Lendo e escrevendo eu descobri que não são as pessoas com deficiência que tem essa dificuldade. Somos todos nós.
Temos sérios problemas de percepção. Poucas vezes conseguimos notar que algo diferente está acontendo ao nosso redor. Quando percebemos o fato, não conseguimos ler suas entrelinhas, quando lemos as entrelinhas distorcemos tudo.
Dizem que o brasileiro é um povo sem memória. Tenho a impressão que essa não é uma exclusividade nacional. Com a desculpa da nostalgia voltamos a cometer os mesmos erros do passado. De um lado valorizamos a forma de viver do "nosso tempo" (nesse caso sempre algo da nossa infância e juventude) como se esse tempo não fosse o agora. Ressucitamos anacronismos e ainda achamos bonito. Do outro lado, esquecemos totalmente a história , geralmente naquilo que ela teve de pior, até que seja tarde demais e o estrago já tenha sido feito...de novo.
Também descobri que o uso de metáforas, analogias, metonímias e outras figuras de linguagem são inviáveis. Ironia, então, nem pensar. Não sabemos ou não queremos exercitar nossa abstração. Isso dá trabalho e exige que se pare para pensar. Só conseguimos conviver com o que é concreto, visível, palpável ou compreensível de forma direta. Precisamos personificar conceitos, ou melhor, só personificar sem conceituar nada. Deve ser por isso que os reality-shows façam tanto sucesso, uma vez que não exigem nenhum esforço intelectual.
Sempre que eu digo que o Samuel está alfabetizado desde os 6 anos, alguém me pergunta : "mas ele sabe ler (i.e. decifrar o código) ou consegue interpretar o que está escrito ?". Sou obrigado a responder que ele interpreta perfeitamente. Deve ser porque ele se limita a interpretar o que está escrito. Muitas das discussões que vejo nos grupos acontecem simplemente porque as pessoas começam a responder antes de lerem o que está escrito. Não se tem nenhuma capacidade de interpretação, não por incompetência, mas por displicência. Um fala bola e o outro responde a respeito das condições meteorológicas. Volta-se e explica-se o que é a bola e dizem que você não gosta de chuva.
No que que isso vai dar no futuro ? Não sei, acho que não tenho a percepção do todo e, de qualquer forma, quando o futuro chegar ninguém vai se lembrar mesmo.Talvez os seres do porvir apenas nos interpretem como uma abstração qualquer.
Os seres do porvir serão justamente esse que hoje chamamos de deficientes intelectuais que prestam mais atenção, guardam nas suas memórias o que lhes é relevante, conseguem abstrair e interpretam corretamente o que é escrito porque estão preocupados em acertar.
Tornei-me um militante da inclusão, participo de grupos, de comunidades, bato perna falando e ouvindo sobre o tema e já estive em lugares que eu nem sabia que existiam. Como, além de falar, eu gosto de ler e de escrever, além dessas insanidades escrevo sobre vários assuntos nas mais diversas mídias. Divido meus escritos em quatro categorias : marketing, inclusão, teologia (sou protestante e professor de teologia sistemática) e, claro, insanidades. Também leio bastante sobre tudo isso e mais um pouco.
Desde que o Samuel nasceu tentam me provar (ainda não me convenceram e, à medida que ele cresce, me convenço menos ainda) que existem algumas áreas do raciocínio que são problemáticas nas pessoas com deficiência intelectual : percepção, memória, abstração e capacidade de interpretação. Lendo e escrevendo eu descobri que não são as pessoas com deficiência que tem essa dificuldade. Somos todos nós.
Temos sérios problemas de percepção. Poucas vezes conseguimos notar que algo diferente está acontendo ao nosso redor. Quando percebemos o fato, não conseguimos ler suas entrelinhas, quando lemos as entrelinhas distorcemos tudo.
Dizem que o brasileiro é um povo sem memória. Tenho a impressão que essa não é uma exclusividade nacional. Com a desculpa da nostalgia voltamos a cometer os mesmos erros do passado. De um lado valorizamos a forma de viver do "nosso tempo" (nesse caso sempre algo da nossa infância e juventude) como se esse tempo não fosse o agora. Ressucitamos anacronismos e ainda achamos bonito. Do outro lado, esquecemos totalmente a história , geralmente naquilo que ela teve de pior, até que seja tarde demais e o estrago já tenha sido feito...de novo.
Também descobri que o uso de metáforas, analogias, metonímias e outras figuras de linguagem são inviáveis. Ironia, então, nem pensar. Não sabemos ou não queremos exercitar nossa abstração. Isso dá trabalho e exige que se pare para pensar. Só conseguimos conviver com o que é concreto, visível, palpável ou compreensível de forma direta. Precisamos personificar conceitos, ou melhor, só personificar sem conceituar nada. Deve ser por isso que os reality-shows façam tanto sucesso, uma vez que não exigem nenhum esforço intelectual.
Sempre que eu digo que o Samuel está alfabetizado desde os 6 anos, alguém me pergunta : "mas ele sabe ler (i.e. decifrar o código) ou consegue interpretar o que está escrito ?". Sou obrigado a responder que ele interpreta perfeitamente. Deve ser porque ele se limita a interpretar o que está escrito. Muitas das discussões que vejo nos grupos acontecem simplemente porque as pessoas começam a responder antes de lerem o que está escrito. Não se tem nenhuma capacidade de interpretação, não por incompetência, mas por displicência. Um fala bola e o outro responde a respeito das condições meteorológicas. Volta-se e explica-se o que é a bola e dizem que você não gosta de chuva.
No que que isso vai dar no futuro ? Não sei, acho que não tenho a percepção do todo e, de qualquer forma, quando o futuro chegar ninguém vai se lembrar mesmo.Talvez os seres do porvir apenas nos interpretem como uma abstração qualquer.
Os seres do porvir serão justamente esse que hoje chamamos de deficientes intelectuais que prestam mais atenção, guardam nas suas memórias o que lhes é relevante, conseguem abstrair e interpretam corretamente o que é escrito porque estão preocupados em acertar.
Comentários
Beijo no Samuel...
Beijo
Somos deficientes em sabedoria de vida.
E a gente só "se achando"... hehehe...
Huahuahuahauhauahuahauhauha!!!!!!
bijoks
Edith : quem disse que o essencial é invisível aos olhos ?
Cris : no emocional não quero nem entrar, se falando só do intelecto já me arranjo desafetos, já imaginou se falar do que as pessoas sentem ?
Mal : pode ser em Libras...mas com intérprete
Lou : duro é que todo mundo assinala opção "E" : nenhuma das anteriores
Lucille : dependendo da deficiência não existem graus...
Adorei........
Hoje estive no Carpe numa reunião justamente sobre as habilidades, as dificuldades.......
Generalizando ou não, esses encontros nos abrem a possibilidade de pensar.......e isso é maravilhoso!!!
E vamos em frente, porque tenho certeza que já conseguimos muito.....
Bjs
Um abraço
mas falando serio agora, otimo texto adiron.
bjs