Réu confesso

No começo Sérgio não deu a menor bola para o fato. Parecia uma coisa natural e, de certa forma, quando Fernanda o culpava de algo, ela tinha alguma razão.

Ele sempre fora um pouco atabalhoado e distraído, era normal que cometesse suas gafes e pisasse na bola, de tempos em tempos.

Começou a prestar mais atenção no que fazia, tentando errar menos, o que, de fato, conseguiu. Não que tivesse se tornado infalível, mas melhorara muito.

Nesse momento que começou a perceber que havia um padrão no discurso de Fernanda. Mesmo ele não fazendo nada de errado, a culpa de qualquer coisa era sempre dele.

Como sempre fora um sujeito bem humorado, achava melhor rir do que se incomodar. Até porque as suas culpas beiravam o ridículo.

Num dia foi culpado por tê-la beijado ao chegar em casa, o que a distraiu e o arroz queimou.

Em outra ocasião ele acabou sendo o responsável por terem chegado atrasados ao casamento de um primo de Fernanda. Quem tinha mandado ele fazer aquele caminho onde havia um prego para furar o pneu?

O terceiro filho era culpa dele que tinha esquecido de lembrá-la do vencimento da validade do DIU.

Mas até bom humor tem limite. E ele começou a se incomodar no dia em que, faltando luz, ela ficou presa no elevador do prédio. Afinal de contas, se ele tivesse comprado um apartamento mais perto do trabalho dela, ela teria chegado em casa antes de faltar luz.

Num primeiro momento ele começou a discutir com Fernanda. A situação só piorou, afinal, se ele estava insatisfeito com aquilo, a culpa era dele que não sabia administrar sua própria auto-estima.

Parou de falar. Sobre culpa e sobre quase todo o resto. Mal conversavam e, mesmo assim, Fernanda sempre tinha algo para lançar nas costas de Sérgio, que acabava suportando tudo pelos filhos.

No dia do casamento do terceiro filho Sérgio já decidira que, em seguida, iria morar sózinho. Não teve tempo. Uma semana depois teve um infarto fulminante.

Na sua lápide, Fernanda mandou gravar o seu destino: "Teria vivido mais, não fosse seu complexo de culpa".

Comentários

Juliana disse…
Ri muito. E a culpa foi toda sua.
O Tempo Passa disse…
Ah, cara! Nem me fale!!!
Bel disse…
É coisa pra se pensar... não encarei como piada. Acho que por muito tempo fui uma Sérgia. ;(
clau disse…
...nao sei bem o pq de eu me identificar tanto com este seu Sergio.
Mas quem sabe, talvez,seja sò pq a sua Fernanda seja homonima de alguem que eu conheço...
Hihihi.
Bjs!
Anônimo disse…
Quanto tempo perdido...que pena!!!
a vida como ela é...
abraços

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