...uma gota...

Um dia, depois do almoço, Jorge resolver tomar um café no bar onde Sara trabalhava como barista. Logo ao entrar reparou num sujeito conhecido, sentado numa das mesinhas. Quando se tocou quem era, foi direto para o balcão.

" - Sara, você sabe quem aquele cara de camisa azul na mesinha da esquerda ?"

" - Um cliente que sempre aparece aqui..."

" - Ele o Java Percolator, o mais temido crítico de cafés da cidade. Foi com ele que eu fiz aquele curso sobre cafés.."

Sara travou. Percolator no seu bar? Tomando o seu café? Mal ouviu quando o garçom pediu mais um colombiano suave.

Ficou tão nervosa que, ao abrir a embalagem do pó de café, cortou o dedo. Pior, não percebeu que, ao pegar a xícara, uma gota de sangue caíra lá dentro.

Minutos depois viu o temível crítico caminhando em direção a ela.

" - Eu devo ter tomado cafés feitos com esse pó algumas dezenas de vezes" disse ele, "e nunca nenhum tinha o sabor do que você me serviu. Estava perfeito."

Sara agradeceu sem jeito. Sabia que, em hipótese alguma, alguém poderia saber o que tinha acontecido.

Dias depois começaram a aparecer dezenas de pessoas querendo provar o colombiano suave. Percolator tinha escrito a respeito dele na revista de maior circulação do país. Todo mundo queria saber quem era aquela nova revelação no mundo dos baristas.

Sara sabia que não podia falhar. Pegou um alfinete que estava na sua bolsa e furou o dedo. Discretamente depositava uma gota em cada xícara antes de levá-las para a máquina. Acabou o dia com o dedo todo machucado.

Sua fama só fez crescer. O bar tinha filas. Recebeu convites para ir para Atlanta, representando o Brasil no concurso mundial de baristas. Educadamente recusou, mas continuava furando o dedo todos os dias. Começou a trabalhar com luvas de borracha antes que alguém perguntasse porque ela sempre tinha um band-aid no polegar.

Uma corporação multinacional de café lhe fez propostas fabulosas para que ela vendesse o seu segredo. Chegou mesmo a receber uma comenda do governo da Colômbia.

Por outro lado, Sara perdera suas aparência saudável e suas bochechas rosadas. Cada dia estava mais pálida. Dizia que era cansaço pelo excesso de trabalho. Para Jorge, sempre tinha alguma desculpa para o dedo que nunca melhorava.

Uma tarde desmaiou atrás do balcão. Chegou sem vida no pronto-socorro. O mundo dos apreciadores de café ficou desolado.

No atestado de óbito constou apenas que a causa da morte tinha sido uma hemorragia intensa de origem não identificada.

Comentários

Anônimo disse…
Deu até calafrios. Vou prestar mais atenção nso cafés que eu ando tomando.
Bel disse…
Ai que trágico...

Acho que a moça da copa da UESC não pode nem ter essa idéia... outro dia passei lá e me assustei com a quantidade de garrafas térmicas em cima da pia, das mesas, do balcão... Acho que tem mais do que muita loja de departamento!!!
O Tempo Passa disse…
Tétrico o fim deste romance... tava indo tão bem! Mas ninguém pode se queixar da moça não ter "dado o sangue" pelo seu negócio. Talvez seja por isso que meus negócios nunca foram sucessos formidáveis. Nunca dei meu sangue...
Elis Zampieri disse…
E eles não foram felizes para sempre??? :-(
clau disse…
Pois eu acho que continua bonitinha, sabe?
Pq tem um nao sei que de magica, mm com a morte da pobre barista, que teve seus 15' de gloria... terrena.
E, de qq maneira, para se ter sucesso, hoje em dia, no trabalho, a gente sempre termina dando o sangue da gente, mm que nao se morra de hemorragia em algum hospital...
Bjs!

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