Panis non conficitur sine farina




Para a Claudia, pela receita e para a Virginia, pelo poema

Meu leitores mais assíduos conhecem meu relacionamento tumultuado com os pães. Não é de hoje, e tão pouco de ontem que eu me aventuro na arte da panificação com resultados variando da mediocridade intolerável ao desastre hecatômbico.

Ja tentei as mais diversas receitas. Mais simples, mais complexas. Usando óleo, usando manteiga, usando banha. Fermento biológico, fermento em pó, só faltou usar fermento inativo.

Já estava decidido a me recolher à minha panifícia ignorância e me limitar a fazer pão de queijo (que, por sinal, não usa fermento) quando me convenci de que a esperança é a última que morre.

Desde junho do ano passado eu tinha guardado uma receita que a Cláudia publicou no seu ótimo "...pro mnesis", que ela chamou de pão perfeito.

Não sei se foi especialmente dirigido para mim, mas esse mês ela publicou outra receita chamada "pão à prova de qualquer desastre" e eu afirmei que, no meu caso, isso não existia.

Mas é carnaval...não me disse quem era eu mesmo e encarei de frente a farinha de trigo e o fermento e...

Não é que deu certo ?

O pão ficou crocante por fora e macio por dentro nas duas versões de formatos que eu fiz.

Minha filha que ficou chocando o forno quando o dito cujo começou a cheirar, e foi a responsável pelo test-drive assim que ficou pronto, fez o comentário definitivo: "desta vez ficou bom".

Isso significa que não vou jogar fora o restante do fermento biológico que comprei e partirei para novas tentativas, mesmo sabendo que "modicum fermentum totam massam corrumpit..."



Devore as imagens lendo o maravilhoso poema de Gabriela Mistral

Pan

Dejaron un pan en la mesa,
mitad quemado, mitad blanco,
pellizcado encima y abierto
en unos migajones de ampo.

Me parece nuevo o como no visto,
y otra cosa que él no me ha alimentado,
pero volteando su miga, sonámbula,
tacto y olor se me olvidaron.

Huele a mi madre cuando dio su leche,
huele a tres valles por donde he pasado:
a Aconcagua, a Pátzcuaro, a Elqui,
y a mis entrañas cuando yo canto.

Otros olores no hay en la estancia
y por eso él así me ha llamado;
y no hay nadie tampoco en la casa
sino este pan abierto en un plato,
que con su cuerpo me reconoce
y con el mío yo reconozco.

Se ha comido en todos los climas
el mismo pan en cien hermanos:
pan de Coquimbo, pan de Oaxaca,
pan de Santa Ana y de Santiago.

En mis infancias yo le sabía
forma de sol, de pez o de halo,
y sabía mi mano su miga
y el calor de pichón emplumado...

Después le olvidé, hasta este día
en que los dos nos encontramos,
yo con mi cuerpo de Sara vieja
y él con el suyo de cinco años.

Amigos muertos con que comíalo
en otros valles, sientan el vaho
de un pan en septiembre molido
y en agosto en Castilla segado.

Es otro y es el que comimos
en tierras donde se acostaron.
Abro la miga y les doy su calor;
lo volteo y les pongo su hálito.

La mano tengo de él rebosada
y la mirada puesta en mi mano;
entrego un llanto arrepentido
por el olvido de tantos años,
y la cara se me envejece
o me renace en este hallazgo.

Como se halla vacía la casa,
estemos juntos los reencontrados,
sobre esta mesa sin carne y fruta,
los dos en este silencio humano,
hasta que seamos otra vez uno
y nuestro día haya acabado...

Comentários

Maria disse…
Tudo entendido até chegar o poema...
Sempre saio daqui com a sensação de ter perdido alguma coisa ou, tudo.
Mas as imagens falam por si, a Lele aprovou então não se discute mais. Mas e o Samuel? Pra valer mesmo os dois tem que aprovarem, senão apenas 50% não vence eleição.
Ótimo final de semana.
Beijos.
Anônimo disse…
Ainda vou experimentar esse pãozinho e ouvirei você declamar este poema...aquele da cafeteira foi sublime...
Anônimo disse…
Isso é de arrebentar o coração: "entrego un llanto arrepentido por el olvido de tantos años..."

Tenho certeza que o pão foi mais alegre.
Lou H. Mello disse…
Acho que já te informei que a Dedé é craque com os pães. Mas voc^não conseguirá uma receita escrita com ela. Ela vai fazendo e ponto.

Hasta que seamos otra vez uno
y nuestro día haya acabado...
clau disse…
Li sua mensagem e corri, curiosa, para saber de qual receita vc falava, rss.
Viu como era verdade...?
Tb eu era cética de tudo e olhei o video americano do "no knead bread" varias vzs, sò para confirmar. E com o fermento dai, que é muito mais cheiroso do nosso daqui, os seus devem ter ficado otimos...!
Ah, juro que tentei ler o poema, mas sou bloqueada no espanhol...
Mas "intui" que era bonito: verdade?...
Nao sou, assim, tanto poliglota qto vc, hihihi.
Bjs!
clau disse…
...sou distraida de tudo mm, nao tem jeito!
Vc fez aquela receita da Nigella, é isso?
Bem que me pareceu estranho, rss.
Pq a textura é bem mais fofinha daquele outro...
Se deu certo este, tente o outro tb, que é BEM mais facil!
Bjs!
carmen disse…
Confesso que admiro a sua persistência...

Mas fico contente pela sua vitória, e vou lá copiar a receita infalível!!! rsrsrs
abçs

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Embriaga-te de Baudelaire