Alucinações anacrônicas


Eu nunca fui consumidor de drogas, exceto aquelas prescritas por médicos. Só tomei um porre na vida e, como passei diretamente do estado sóbrio para aquele que encontramos o amigo Hugo, sem as etapas "alegre" e "engraçadinho inconveniente", foi o primeiro e o último, nunca mais me arrisquei depois disso.

No entanto, descobri que já tive alucinações. Remexendo meus alfarrábios encontrei o texto abaixo que eu escrevi em 1984. Não consegui me lembrar nem o por quê, nem para quem. Procurei nas agendas velhas e não encontrei nada que me explicasse o sentido do mesmo. Não sei por onde eu estava viajando...


Declaração de amor/pavor


Mesmo que eu quisesse, não poderia fazer nada. Apenas olhava atento dentro dos seus olhos. De vez em quando desviava a atenção. A sensação de estar sendo consumido em fogo lento me incomodava. Poemas sobre a mesa. Vinho e cigarros.

Você falava calmamente sobre o medo. O mesmo medo que me corroía. Vontade de explodir e despencar num temporal. O limite do medo é a coragem absoluta. Eu andava no fio da navalha. Se você tivesse insistido um pouco mais, não sei o que teria acontecido.

Eu me contorcia em argumentos e fugas. Nem sei bem do que. A oportunidade ressurgiu e, novamente, me calei. Poema mudo. Pinto as cores do desejo em papéis interiores escondidos em porões.

Meu amor é completamente surrealista. Despertar e crescimento do desejo líquido. Os anseios subconscientes mais fortes que os medos reais. Explodindo em raios, despencando em temporal.

Você olhava. Falava. Me dava a impressão de que percebia tudo, que a motivação dos meus medos era completamente infundada. Ou absolutamente correta.

O momento cobrava uma decisão rápida. Sim ou não. Um lance de dados, só uma chance : ganha-se ou perde-se. Outro lance seria apenas outro começo, mesmo que sejam o mesmo dado e a mesma mão a lançá-lo. Jamais. Mesmo lançado em momentos eternos, jamais abolirá o acaso (ah...Mallarmé....)

Por caso, ou pelo acaso, nasce o medo. Medo de amar.

O papel explica tudo. O teclado da máquina não tem seus olhos a me perscrutar. Só palavras.

19/09/1984

Comentários

Anônimo disse…
uma vez na corda bamba, sempre na corda bamba...não olhe para baixo que dá vertigem...
Unknown disse…
O porque até se justifica,agora pra quem?Penso cá com meus botões que apesar de ter rendido um belo escrito, (que bom que guardou), nada valeu além disso.
Como apenas a lembrança do doce na vitrina, sabe-se o sabor, imagina-se, mas não se prova aquele...

bijim, gostei do 101
Anônimo disse…
..o risco assusta, não corre-lo paralisa.. lindo texto!
Agora entendo as agendas..rs
Beijo!

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