Sem penas
Bipes implumis (atrib.Aristóteles )
Não sei exatamente o por quê mas, certas vezes, eu tenho a impressão de que tudo em volta gira perigosamente em torno de mim. Talvez seja culpa do whisky, mas é difícil acreditar que apenas duas garrafas em uma hora possam provocar esse tipo de efeito. Como agora, após passar o dia ouvindo música dodecafônica, bateu-me a irresistível necessidade de cortar as unhas. Minha namorada dizia que eu estava ficando pinel, mas acho que isso era só uma desculpa para dizer que arranjara outro.
Outro dia mesmo fomos ao cinema e, no meio da sessão, ela resolveu me dizer que eu havia esquecido de colocar as meias. Achei a observação inoportuna pois foi no exato momento em que eu ia lhe beijar. Quando olhei para os meus pés notei que ela murmurava algo para o cara sentado do outro lado, algo como o seu número do celular. Fingi que não havia notado nada mas, na saída, ela foi ao banheiro e demorou quase duas horas para sair. Se o filme não fosse tão chato eu teria assistido outra sessão. Ao sair se desculpou dizendo que não conseguia alcançar o fecho do vestido. Na hora nem me toquei que ela estava de jeans.
Resolvi contratar um advogado para entrar com uma ação de divórcio, mas nós não estávamos casados e ele recusou a causa. Achei que era melhor acabar com tudo mas depois pensei : onde é que eu vou arranjar outra maravilha como ela ?
Laura era o nome dela até nos conhecermos. Depois que começamos a namorar ela resolveu abandonar o nome de guerra e usar o verdadeiro que era Admirtes. Tipo fantástico de mulher que só é gerado uma vez a cada mil anos. Alta, morena, olhos verdes, com as gordurinhas certas nos lugares certos. Deliciosa é o adjetivo mais discreto que eu poderia usar. Conheci-a numa reunião da Associação Nacional de Admiradores de Colibris. Foi paixão à primeira vista. Falava de beija-flores como quem discutia Kant na universidade. Total espontaneidade. Sua primeira frase para mim foi : “que gracinha, você parece meu iguana de estimação “.
Começamos a sair pouco tempo depois. Para impressioná-la, depois do teatro (Gerald Thomas, é claro) levei-a para jantar no Fasano. Tirei todas as minhas economias da caderneta de poupança e até hoje arroto faisão com lagosta. Que ela comeu. Tentei discutir os problemas existenciais do discurso metalingüístico de Saussure e ela riu na minha cara. Não entendi a piada.
Meses depois fomos para a cama. Eu no quarto de empregada e ela no meu quarto. Acho que foi excesso de champagne que deixou as coisas daquele jeito. Fizemos outras tentativas mas o máximo que consegui foi dormir no sofá com ela na cama. Ás vezes ela diz que tem uma vida sexual intensa. Será que é isso que chama de sexo virtual ?
O mais engraçado dessa nossa história é o irmão dela. O rapaz é estudante de comunicação e trabalha numa central telefônica no Pari, aparece de vez em quando. Cada vez que chega fica umas duas ou três semanas na casa dela, quando ela se recusa a sair comigo, só se for para jantarmos a três. Eu pagando, é claro. O pior é que eu nem sei direito o nome do sujeito, achei que era Alberto, mas outro dia ela me disse pelo telefone que o Artur estava na casa dela e não poderíamos sair. Ontem ela me pediu dinheiro emprestado para viajar com o Antonio. Muito estranho.
Hoje fui ao aeroporto levá-la, quando cheguei ela me disse que o André ia encontrá-la dentro do avião. Ela não sabe quando vai voltar. Enquanto espero vou estudar as obras completas de Freud. Alguém me disse outro dia que ele explica.
Comentários
Hahahahahaah!!
Muito bom!
Te liga meoo!!!
otário sim hihihihi
Muito bom o texto. Adorei e a imagem é ótima.
Seu texto foi a sobremesa de um almoço rápido no trabalho.
Muito bom, mesmo.
sei não, o cara é lerdo demais, ela esperta demais e uma combinação assim só daria nisso.
mas de tudo o texto é hilário...(é feio rir da desgraça alheia?), hahahhaha
bijos
Vilma : qual a taxa de juros sobre iguanas
Rita : que não tenha sido indigesto
Muito bom!
beijo
Esse texto, se fosse música, seria o melô do corno!!! kkkk
Mas como eu não uso esses termos chulos... Digo que você é um grande tradutor da ignorância masculina!!
(Que bom seria se essas histórias fossem mais frequentes... porque o normal é o inverso!)