Sinais de fumaça

Jaciara conheceu Aondê quando caminhava junto ao rio que marcava o limite das duas tribos. A paixão foi imediata. Ele ficou encantado com os olhos de luar da moça e, como era um índio de hábitos noturnos, isso o fascinou. Ela retribuiu essa paixão de forma intensa e calorosa.

Apesar das tribos não serem rivais, não era hábito daqueles índios de se casarem com pessoas de outras tribos. Jaciara e Aondê sabia disso e começaram a se encontrar secretamente. A cada encontro combinavam o próximo. Até o dia em que Aondê teve um contratempo e não apareceu no lugar marcado. Ficaram dias sem se ver por causa desse desencontro.

Quando conseguiram se ver novamente concluíram que precisavam encontrar alguma forma de se comunicar à distância. Optaram por sinais de fumaça mas não poderiam usar o vocabulário das tribos senão todos ficariam sabendo do romance e isso poderia ser o fim de tudo.

Combinaram alguns sinais que seriam só deles. Uma língua particular. E assim o fizeram.

O que eles não poderiam imaginar é que esses sinais poderiam deflagrar uma crise institucional entre as duas tribos que sempre tinham convivido pacificamente, cada uma do seu lado do rio.

Os guerreiros da tribo de Jaciara, vendo aqueles sinais sem significado para eles, acharam que a tribo vizinha tinha escolhido um novo código para enganá-los. O pajé da tribo de Aondê convocou uma reunião do conselho da tribo para tentar desvendar o sentido dos sinais de fumaça misteriosos.

Os caciques das duas tribos chegaram mesmo a realizar uma cúpula para debater o tema. Cada um deles voltou para a sua tribo achando que o outro era um mentiroso hipócrita ao dizer que também não entendia os sinais.

Enquanto isso, Jaciara e Aondê marcavam seus encontros, mandavam declarações de amor e contavam sobre as suas atividades diárias (um não conseguia viver sem ter notícias do outro), alheios à agitação que acontecia na tribo. Tão apaixonados que o resto do mundo lhes parecia nada.

As tribos já estavam quase em pé de guerra quando Aondê foi pego mandando os sinais, mal teve tempo de avisar Jaciara e foi levado ao conselho da tribo.

Interrogado sobre os sinais, a princípio ele se recusou a falar de Jaciara. O cacique chegou a ameaçá-lo, mas o pajé interviu e disse que ele resolveria aquele assunto e levou-o para a sua tenda.

Mal entrou e o pajé lhe perguntou quem era a mulher. Aondê ficou atônito. O pajé disse que o havia visto nascer e os seus olhos não negavam que era um índio apaixonado. Aondê abriu o seu coração e contou tudo ao velho xamã. O curandeiro falou que era para ele voltar para sua oca e ficar lá até que ele o chamasse.

Naquela noite Aondê não dormiu, preocupado com o que poderia acontecer com sua amada. Ao nascer do sol o pajé apareceu com o cacique e com os seus pais. Mandou que ele acendesse a fogueira, pegasse um cobertor e mandasse uma mensagem para Jaciara pedindo-a em casamento.

Aondê obedeceu sem entender nada. O deixariam casar com uma mulher de outra tribo? Mandou a mensagem uma vez e não viu nenhuma resposta vindo da outra direção. Mandou a segunda vez, e nada. Abatido, tentou uma terceira vez. Foi quando viu surgir no horizonte as palavras "lenha molhada".

Esperou que o calor do dia fosse mais forte e enviou de novo seu pedido de casamento. Dessa vez a resposta foi imediata.

"Só se for para sempre".

Comentários

Meus ancestrais índigenas bem que podiam ter me deixado como herança os olhos de luar, porque mandar os sinais de fumaça eu aprenderia rapidinho

Beijos
Arimar disse…
Fábio.
Esse " só se for para sempre", me deixou sem saber o final do romance.
Beijos
O Tempo Passa disse…
Uma vez pedi, via sms, notícias ao meu filho que mora em outra cidade; algo que nos dissesse que estava bem, nem que fosse um sinal de fumaça.
Algumas horas depois recebi a mensagem: "Puff. puff".
Acredita?!?
Chris Rodrigues disse…
No aguardo do capítulo II...
Bel disse…
Essa linguagem particular é uma delícia... o problema é quem nao tem com quem criar uma. (Ainda bem que Marido é "dos meus"!!!)

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