O enigma

Quando abriu a porta do quarto André encontrou o envelope no chão. Antes de pegá-lo olhou para os lados para se certificar que não havia ninguém no corredor e, por via das dúvidas, chutou o envelope para dentro, fechou a porta e, enfim, recolheu-o.

Estranhou a cor lilás do papel. Não era o padrão que costumava receber. Concluiu que a mensagem não tinha vindo do comando e ficou preocupado. Há mais de um mês estava refugiado naquele hotel em Riquewhir se passando por um escritor que precisava de tranquilidade para trabalhar. Só três pessoas do comando sabiam da sua missão. Só uma, a sua localização.

Certificou-se que o envelope não tinha cola demais, nem algum fio escondido. Concluindo que não era uma carta bomba, pegou o estilete e o abriu. Era uma folha de seda muito fina, onde se lia:

ognь огонь (ogon') вогонь (vohon') агонь (ahon') ogień oheň oheň ogenj огањ (oganj) ogenj oganj огън (ogan) оган/огин (ogan/ogin)

ryba рыба (ryba) риба (ryba) рыба (ryba) ryba ryba ryba riba риба (riba) riba riba риба (riba) риба (riba)

gnězdo гнездо (gnezdo) гнiздо (hnizdo) гняздо (hnyazdo) gniazdo hnízdo hniezdo gnezdo гн(иј)ездо (gn(ij)ezdo) gnijezdo gnijezdo гнездо (gnezdo) гнездо (gnezdo)

oko око (oko) око (oko) вока (voka) oko oko oko oko око (oko) oko oko око (oko) око (oko)

Definitivamente a mensagem não vinha do comando, não era o padrão de código do seu chefe mas, como bom espião ele não demorou muito para decifrar a mensagem, ou melhor, para identificar as palavras. O significado lhe parecia um enigma: Fogo peixe olho ninho.

Peixe de fogo? Olho do ninho? Fogo no ninho do peixe? Olho de peixe em fogo? Nada lhe fazia sentido. Resolveu dormir, estava cansado demais para solucionar aquilo naquele momento e, já que não vinha do comando, não deveria ser nada urgente.

Claro que não conseguiu dormir. Curioso para entender a mensagem e, principalmente, para conseguir identificar o remetente dela. Tentou combinar as letras, nada fazia sentido. Concluiu que não deveriam ser letras e se fixou nas imagens das letras. Achou que tinha percebido alguma coisa, mesmo assim não se sentiu convicto a respeito.

Passou o dia seguinte estudando seu livro de símbolos para ver se surgia alguma luz. Nada. E as quatro palavras continuavam olhando para ele como se o desafiassem.

Por uma questão de segurança avisou o comando a respeito da mensagem. O comando informou que não era dele, mas ele sabia do que se tratava. Mas não deu nenhuma dica a respeito. Começou a achar que era uma brincadeira e imaginou soluções jocosas. Nada.

Passou uma semana, duas, um mês e André não conseguiu resolver o problema da mensagem. Mandou um aviso para o comando. Ele desistia. Deveria ser removido de volta à base. Como um espião do nível dele poderia se manter no posto sem conseguir decodificar a mensagem?

No dia seguinte seu contato na região apareceu na hora do café da manhã. Sentou-se à mesa com ele, não falou nada. apenas lhe entregou um envelope com as passagens de volta. Quando levantou-se, olhou para trás e perguntou: onde foi parar o romantismo da sua juventude?

Nesse momento, foi como se um raio caísse na cabeça de André. Ele ficou vermelho de vergonha e roxo de raiva. Como é que não tinha percebido? Não desistiu de partir de volta para casa, pelo contrário, a compreensão da mensagem só aumentou sua vontade de voltar logo.

Dois dias depois já estava num táxi, indo do aeroporto para casa. Quanto mais perto chegava, mais apertava sua saudade de Clarissa. De longe a viu na varanda da casa, linda vestindo um longo negligé cor de rosa. Ainda na soleira, olhou para ela e disse.

" - O peixe se abrasa ao te olhar. Vamos para o ninho."

Comentários

Raquel disse…
Adoro mensagens em códigos.
Juliana disse…
Me lembrou as cartas enigmáticas dos antigos almanaques.

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