Para falar das flores

Naquela noite Cristiano deixou Rosana em casa e vagou de carro pelas ruas. Estava apaixonado e encantado demais para voltar para casa e dormir.

Quando passava pelo largo do Arouche viu as bancas de flores abertas. Parou. Entrou em uma onde o vendedor solitário estava sentado num canto.

" - Preciso da sua ajuda. Que flores eu mando para a mulher mais maravilhosa do mundo?"

O vendedor sorriu. Seu nome era Ciro,um romântico que admirava homens apaixonados.

" - Pois não. Mas acho que preciso de um pouco mais de informação para te ajudar. Tem idéia de que tipo de flores ela gosta."

" - Não faço a menor idéia. As melhores e mais bonitas."

"- A beleza das flores vai depender de como ela encara a vida. Mas se é a primeira vez, vamos ficar nos clássicos."

Cristiano comprou uma dúzia de rosas champagne (o vendedor não recomendou cores fortes) e mandou entregar.

Voltou na semana seguinte. Para agradecer o florista e para comprar mais flores.

" - Ela adorou as rosas, quero mandar outra vez..."

" - Nem pensar." Respondeu o vendedor. " - Se mandar as mesmas flores sempre ela vai achar que você não tem nenhuma criatividade. Você lembra que palavras ela usou para se referir às rosas?"

" - Ela disse que tinha sido uma lembrança muito delicada."

" - Mau sinal. Isso é o tipo de frase que se fala para um amigo, não para um namorado. Sejamos mais ousados".

Naquela noite enviou um vaso de prímulas vermelhas para Rosana. Foi um sucesso, logo de manhã ela ligou para agradecer.

A reação dela foi tão apaixonada que dois dias depois Cristiano estava de novo na floricultura.
" - Ciro você acertou na mosca. Vamos repetir..."

" - Acho que você não entendeu...você não pode repetir. Me conte algo mais dessa moça. Que tipo de música ela gosta?"

" - Gosta de tudo um pouco..."

" - Nada em especial?"

" - Sim, claro, ela é apaixonada pelo adagio de Albinoni e pela sonata 16 de Beethoven..." Cristiano falou sem esperar que um florista soubesse muito a respeito disso. Quebrou a cara.

" - Sonata 16? A sonata que marca a virada do clássico para o Beethoven romântico...humm..bem humorada, alegre, quase jocosa...

Cristiano olhava embasbacado para Ciro. Não resistiu perguntar:

" - Você conhece a Rosana? Ciro caiu na gargalhada

" - Eu conheço Beethoven, e o gosto dela por essa sonata revela muita coisa. Vamos mandar crocus.

" - Crocus ?

" - Sim, flores de açafrão. São flores bem humoradas."

Mais uma vez a reação de Rosana foi radiante.

Cristiano ficou totalmente dependente de Ciro. Toda semana passava na floricultura, falava a respeito dela e mandava as flores que Ciro recomendava.

Ciro reconhecia que Rosana era uma mulher surpreendente. Refinada sem ser pedante. Carinhosa sem ser piegas. Fogosa sem ser vulgar. E, pelas fotos que Cristiano mostrou, linda demais.

Continuou a solidificar o romance do rapaz que, a essa altura, se tornara seu amigo.

Depois da primeira briga mandou lírios. Junto com um livro de Neruda mandou amores-perfeitos. Depois de uma festa de gala lhe mandou cravos brancos.

Um dia Cristiano chegou na floricultura arrasado. Tinham se separado. Rosana lhe mandara um vaso de narcisos e ele os achara lindos.

" - Não!!!!!! Narcisos não se agradecem, Cristiano. Você deveria ter ido pedir desculpas para ela. Ela estava te dizendo que estava magoada..."

" - O que eu faço agora?"

" - Não há muito o que fazer. A essa altura ela já descobriu que você não entende as flores...

Cristiano foi embora sem saber o que dizer. Nesse momento Ciro pegou um vaso de tulipas e mandou o motoboy levar à casa de Rosana.

No cartão Ciro escreveu: "Mesmo as coisas que morrem podem renascer atravessando a neve mais densa".

Seis meses depois, Ciro e Rosana casavam numa igreja enfeitada de lavandas e gérberas.

Comentários

me deixou "viajando" de novo rs...lindo texto

beijos
O Tempo Passa disse…
Pronto! Morrer de fome vc não morre. Se mudar de profissão, abra uma floricultura!!!
Juliana disse…
Quando é que eu posso mandar girassóis?

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