Maravilhamento

Manuel gostava de falar diferente, não que usasse palavras difíceis ou desconhecidas, mas sempre encontrava um jeito qualquer de deixar sua marca pessoal com alguma palavra que todos conheciam, mas não tinham o hábito de usar, ou pelo menos não usavam nos mesmos contextos que ele.

Era capaz de elogiar um prato dizendo que pipocavam bolhas de sabão no estômago. Ou dizer que o trânsito estava sofrendo de incontinência de semáforos.

Um café nunca era simplesmente bom, era estimulador de devaneios frugais. Quando via um filme romântico dizia que tinha sido afetado por debulhamentos lacrimais.

De todos, o termo que realmente marcou sua pessoa, foi o que usou a vida toda para se referir a Joana, a mulher que sempre foi sua amada e companheira inseparável.

Nunca a chamou de esposa, bem ou querida. Também não a chamava pelo nome ou por qualquer apelido carinhoso que, por sinal, nunca tiveram. Se referia a ela sempre como sendo o maravilhamento dos sentidos.

De fato, ela o maravilhou quando se conheceram. Não só por sua beleza, mas também pela forma amorosa e cuidadora de tratá-lo em todos os momentos. Maravilhou-o nos carinhos íntimos. Maravilhou-o como esposa, mãe e, já idosos, como esteio permanente.

Já idoso e doente, ele nunca deixou de amá-la e de ser objeto dos seus cuidados. Pressentindo a morte que se aproximava pediu a um dos filhos papel e caneta. Escreveu algo, colocou num envelope e pediu que só entregasse à mulher depois da sua partida.

Dias depois ele se foi. O filho esperou passar o momento de tristeza mais profunda para entregar o envelope à mãe. Ela abriu e leu. Um misto de emoções a tomaram, chorava e ria ao mesmo tempo. O filho pediu para olhar, também se emocionou.

No papel se lia: "Meu maravilhamento dos sentidos, a eternidade só terá sentido e maravilha, quando você estiver novamente comigo. Te espero, sem pressa, mas com saudades".

Comentários

Bel disse…
Eu tenho uma amiga que fala nesse estilo... já mandei o post por e-mail pra ela!
Bjo!
Juliana disse…
Como que você consegue combinar a insanidade da matemática com todo esse lirismo?
Ariella Medeiros disse…
Fabio, o texto é simplesmente...PERFEITO.
O Tempo Passa disse…
Puxa! Vai ser romântico assim...

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