Laissez faire


Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
(Fernando Pessoa 1913)



Pedro sentou no banco do parque no meio da tarde e começou a pensar na vida. Estava desempregado, sozinho e correndo o risco de ser despejado. Nada disso, porém, o incomodava.

Ele mesmo tinha pedido demissão do seu último trabalho depois de receber vários pedidos de favorecimento na contratação de novos empregados. Era um homem de princípios e, apesar de nunca ter acatado essa demanda, ninguém nunca o ameaçou. Simplesmente cansou.

Também abrira mão na mesma semana de suas duas mulheres, a oficial e a oficiosa. Leopolda era uma pessoa doce, carinhosa e tolerante, sabia do seu romance com Domícia, mas fingia que não era com ela. Nem ela nem o marido da outra se incomodavam muito. Domícia, por sua vez, era muito ciumenta, mas nunca encontrou espaço para manifestar seu excesso de zelo. Todas as vezes que tocava no assunto Pedro deixava entrar por um ouvido e sair pelo outro.

Seu divórcio foi amigável, desistiu voluntariamente de todos os seus bens a favor da mulher e dos filhos. Não levou nem mesmo sua coleção completa dos gibis do Super Homem que deixou para Pedrinho. As jóias a que tinha direito na partilha ficaram para Maria.

Pensou em voltar à casa dos pais. A idéia não prosperou pois não os via desde quando saíra da cidadezinha do interior em direção à capital. Quando soube da morte da mãe, através de um dos irmãos que queria discutir a herança, dirigiu-se imediatamente ao cartório mais próximo e lavrou um documento despojando-se de qualquer interesse.

Olhando os passarinhos do parque concluiu que não sobrara mais nada a que pudesse renunciar, exceto à vida. Como tantas outras coisas, não se sentia no direito de dispor dela, não era proprietário de si mesmo.

Entardecia. Levantou-se, desceu as frias escadarias. Calmamente regressou à sua casa, enquanto as árvores desapareciam na escuridão.

Comentários

Ele cansou? Cansou de viver? Cansou das duas mulheres que teve? Com certeza ele nunca soube o que é ser feliz.

Estou vindo aqui através da Gruta para te convidar para a blogagem coletiva contra o analfabetismo. Baseando-me num dos trechos do seu comentário:
"Uma pesquisa realizada no ano passado (não sei se foi o Ibope ou Datafolha) mostrou que educação é a 6a ou 7a prioridade da população…

Ou seja, se quem precisa de uma educação de qualidade não está preocupado com ela vai ser difícil mudar alguma coisa."

Nao quero ficar como o homem da sua história e simplesmente desistir de tudo. Enquanto tiver fôlego vou lutar e fazer algo contra aquilo que eu acho super importante. E também nao vou deixar você se calar,rs. Pelo seu conteúdo escrito aqui no seu blog já vi que você terá muito a dizer a respeito. Estou esperando a sua confirmacao.

Te desejo uma ótima semana, já com este desafio pela frente,rs.

Abracos
Cristiana Soares disse…
Ué, mas ele voltou para que casa?
Unknown disse…
who is Maria?

afinal deve ser importante pra ter ficado com a jóias..ou não.

bijim de maõs dada ao Pedro heheheh
Fábio Adiron disse…
Cris : quase despejado, mas ainda não.

Mal : a jóia da Maria valia um reino
Anônimo disse…
Coitado do Pedro...

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Mais ditados impopulares