Cenas enológicas


Para a Rejane que me provocou esse texto*

Diferente do whiskey, bebida comum dos corações quebrados e dos durões, vinho e cinema nem sempre andaram de mãos dadas. Provavelmente porque os americanos não eram grandes consumidores de vinho como são atualmente, talvez pelo vinho ser uma bebida mais complexa, quando Holywood prima pela simplicidade.

Não é uma tarefa fácil pensar em filmes onde o vinho tenha um papel significativo, que seja colocado no lugar certo e ainda ser um filme bom. Em alguns filmes há vinho demais, em outros no lugar errado, e não poucos são filmes muito chatos. Não que o vinho seja o ator principal de cada um deles. Muitas vezes ele faz apenas uma ponta, mas vale a pena.

Evito aqui filmes sobre vinho como Mondovino e Sideways e nem vou entrar na cinematografia européia, onde eu precisaria de mais de uma década para fazer uma seleção desse tipo, exceto por um filme inglês que muitos imaginam que também seja americano.

Pegue a lista, vá até sua vídeo locadora, no caminho passe no seu fornecedor preferido de vinhos e compre uma boa garrafa para beber enquanto assiste – não saberia dizer de bate pronto qual seria o melhor vinho para se beber com pipoca.

Comece com Casablanca (1942). O eterno candidato a melhor filme de todos os tempos tem rios de Champagne fluindo, melhor, ninguém nunca paga a conta. O Capitão Renault ironicamente oferece um Veuve Clicquot 1926 ao major nazista, ressaltando que é um excelente vinho francês. Além da cena em que Bogart e Bergman no café, ainda em Paris, pedem mais Champagne para secar o estoque antes que os alemães cheguem. O brinde? "Here's looking at you, kid."

De Bogart vá para Connery. Você está enganado se pensava que James Bond só bebia Dry Martini. Em O satânico Dr No (1962), de novo é o Champagne que rouba a cena quando Bond pega uma garrafa como arma. Dr No lembra que aquela era um Dom Perignon ´55 e que seria uma pena quebrá-la. Bond coloca a garrafa de volta na mesa e responde: eu pessoalmente prefiro a ´53. Ele acaba bebendo uma de 1953 em Goldfinger, mas em Thunderball pede a mesma 1955 que desprezou – deve ser por isso que o filme é tão ruim.
Dê um pulo no tempo e vá para 1995. French Kiss já começa com Kline colocando uma muda de uva na sacola de Meg Ryan. Por que alguém contrabandearia uma cepa canadense para a França me foge à compreensão e a ingenuidade da mocinha nem percebe o absurdo. Os passeios da dupla pela vinha, a caixa de aromas, as cenas de degustação são ótimas. A ponto de Ryan num momento soltar uma jóia: "um vinho simples com uma pitada de sofisticação e falta de pretensão (pausa)...na verdade estava falando de mim e não do vinho."

Ainda no clima romântico e de volta ao passado veja Gigi (1958) A mocinha interpretada por Leslie Caron é treinada por sua tia para ser uma cortesã, a reconhecer jóias verdadeiras, a falar e como se recostar no sofá. Mas também tem aulas de como beber vinhos. "Você precisa sentir o aroma, o primeiro gole deve ficar no céu da boca e ser inspirado pelo nariz...aí você vai sentir o sabor, um mau vinho terá um gosto duro, mas os bons são muito suaves." A velhinha era mesmo muito malandra. O filme ainda trás a canção romântica "The Night They Invented Champagne" e cenas nos melhores restaurantes de Paris.

O filme inglês que mencionei é Notorius (1946) de Alfred Hitchcock. De novo Ingrid Bergman e, de novo champagne. Cary Grant suspeita que os nazistas estão escondendo uma substância para produzir armas radioativas na adega da mansão do bandido. Os dois então começam, escondidos, a abrir garrafas de champagne durante uma festa dos nazistas – se a champagne da festa acabar eles serão descobertos e mortos. É capaz de você gritar: ora vão beber cerveja, diabos!

Se você tiver um estômago sensível, evite esse último filme. Em Silêncio dos inocentes (1991) há uma cena memorável de combinação de pratos e vinhos. Conversando com Jodie Foster. Anthony Hopkins diz: "um cara do censo tentou me testar uma vez, eu comi o seu fígado com favas e um bom Chianti" (e faz o som de sugar o vinho...). No livro, o autor Thomas Harris usava um Amarone ao invés de um Chianti, mas esse é um vinho menos conhecido e escandalizaria menos os espectadores. Não que um Chianti não combine com fígado, mas talvez um vinho com notas de frutas vermelhas escuras ficasse melhor.

*Texto escrito para a Revista Pier Sul de Porto Alegre

Comentários

Gabi disse…
Eu estava curiosa sobre este texto...e agora quero seguir a sugestão de visitar as cenas...
muito bom! Vou mandar o link para os amigos que apreciam o vinho e o cinema!
Abs,
clau disse…
Realmente um texto e um argumento que atiçam o nosso interesse e tb a nossa atençao.
Aqui em casa, assistir a um belo filme bebendo um bonissimo vinho,é norma. E sò se equipara a fazer o mm, no verao, acompanhado de uma cerveja, daquelas especiais, bem fresquinha!
Obvio que sem deixar de lado, vez por outra, de sentir o aroma de um single malt whisky excepcional ou tb um rum agricola daqueles bons.
Com a estufa de casa acessa e sem exagerar, sao coisas boas para ajudar a espantar o frio!...
Bjs!
Anônimo disse…
frutas e fígado? combinação estranha...vou tentar assistir os outros filmes...rs
Anônimo disse…
Fiquei pensando em outras possíveis combinações. Coração com bordeaux? Coxas com chardonnay? Se bem que a melhor carne deve ser a do lombo, aí só um bom borgonha.

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Embriaga-te de Baudelaire