Amor demais

Que me importa se a clepsidra corrói as praças das infâncias em ruínas? (Fernando Mendes Viana)

Enquanto aguardava na plataforma da estação, Mariano relembrou dez anos que já haviam passado.

Conhecera Ana Maria num festival literário. A afinidade de gostos fora instantânea. A de pele não demorou muito a aparecer. Mesmo morando em cidades diferentes mantiveram uma correspondência, ao mesmo tempo intelectual e fogosa, durante meses.

Quando voltaram a se encontrar, logo depois, parecia que se conheciam há anos. O amor foi intenso. O desejo guardado nesse tempo explodiu furiosamente. O mundo parecia maravilhoso, exceto pelo fato de que nenhum dos dois podia abandonar suas atividades e suas cidades.

Continuaram a se corresponder. Aliás, nunca deixaram de manter contato. O tempo e a distância levou cada um para o seu lado e para os seus amores.

Nas duas vezes que a visitou ela estava com outro alguém. A amizade e o amor não tinham acabado, mas não havia oportunidade para nada além disso. Ela também chegou a visitá-lo, mas como estava a trabalho na cidade dele, sempre havia mais alguém por perto.

Agora ela estava vindo de novo. Dessa vez sozinha. Ele nem sabia direito como deveria se comportar.

Quando a viu desembarcar, acenou e ela sorriu. Abraço forte no encontro e um certo ar de constrangimento. Ela também passara toda a viagem imaginando o que poderia acontecer.

Deixou-a na casa da amiga onde ela ficaria hospedada e combinaram programas para o final de semana que ela passaria na cidade. Parques, passeios, museus, teatro e jantares regados a bons vinhos. Ainda assim pareciam dois estranhos que se encontravam pela primeira vez.

Na última noite, quando acabavam a conversa no carro, ele olhou para os seus lábios e pensou em beijá-la. Os olhos dela brilhavam com a mesma intenção.

Já era tarde e, ao amanhecer ela partiria. Já era tarde, e ele tinha vários compromissos no dia seguinte.

Despediram-se sem o gosto do beijo. Já era tarde.

Comentários

Anônimo disse…
Acho que o vinho que eles tomaram juntos era suco de uva.
Cristiana Soares disse…
Os comentários da Vilma são sempre um ótimo complemento aos seus textos, Fábio.

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