Pagando o jabá

O processo de salgar e expor a carne ao sol é pré-histórico e, apesar de termos algumas variedades de carnes salgadas no Brasil, o processo não é nativo. Nossos índios não tinham o hábito de de conservar alimentos. Também, para que ? Era só ir dar uma volta no mato e voltar com um bicho fresco. Já nossos colonizadores eram useiros e vezeiros no assunto. Especialmente na conservação de peixes. Encontrando um país com tanto sol e com tanto mar - portanto, tanto sal - passaram o processo do peixe para as carnes vermelhas, especialmente bovinos e ovinos.

Temos quatro tipos de carnes salgadas no Brasil : a carne-de-sol, a carne-seca, o charque e a frescal (não confundir com o queijo que é outra coisa...). Você pode encontrar um monte de outros nomes, mas serão apenas sinônimos dessas quatro. O mais popular é jabá (que é carne-seca). Porque que a propina paga por gravadoras às rádios para tocar suas músicas pegou esse apelido eu não descobri.

A frescal é carne de gado especialmente os cortes chamada tatu ou lagarto, salgada e curtida ao relento apenas durante a ausência de sol, geralmente à noite. É produzida no interior de Santa Catarina e não deixa de ser uma variante do charque, adaptada à região. O charque difere dessa por usar mais sal e é produzida em galpões ventilados durante o dia.

No Nordeste temos a carne-de-sol que depois de cortada em fatia não muito grossas é ligeiramente salgada e deixada em locais cobertos e bem ventilados, passando por um leve processo de desidratação. Como exige um clima muito seco, o preparo da carne de sol legítima só é possível nas regiões semi-áridas do Nordeste. A secagem é rápida, formando uma espécie de casca protetora que conserva a parte de dentro da carne úmida e macia.

A carne-seca, é um método de conservar carne, em geral bovina, salgando-a e empilhando-a em lugares secos. As mantas de carne são constantemente mudadas de posição, para facilitar a evaporação. Em seguida elas são estendidas em varais, ao sol, até completar a desidratação. O resultado final é muito parecido com o charque, especialmente porque usa uma grande quantidade de sal. Aliás, o fundador de Pelotas era um português que trabalhara no nordeste como fabricante de carne-de-sol e mudou para o Rio Grande do Sul numa das muitas secas nordestinas.

O preparo da carne-seca segue o mesmo processo básico da carne-de-sol, mas leva mais sal e fica mais tempo "exposta ao sol". Já o charque passa por um processo mais elaborado, normalmente em industrias, é prensado e acondicionado em embalagens plásticas à vácuo.

Se você fizer uma breve pesquisa no São Google vai encontrar centenas de receitas usando carne seca. A minha é a seguinte

Pegue meio quilo de carne-seca, prefira a de coxão mole que é mais macia e menos gordurosa e coloque de molho de um dia para o outro, trocando várias vezes a água. No dia seguinte refogue a carne em azeite e uma cebola picada, depois adicione água, uma cenoura picada, um dente de alho e uma folha de louro. Cozinhe até a carne estar tão macia que desmanche.

Espere esfriar e desfie a carne, experimente um pedaço para saber o quanto salgada ela ainda ficou, ou se vai precisar corrigir o sal na preparação do prato.

Pronto, agora pode começar a brincadeira, invente sua combinação, as que eu já fiz com sucesso foram:

1. Numa panela coloque azeite e alho deixe dourar um pouco. Em seguida adicione a carne seca desfiada e mexa bem. Pimenta-do-reino a gosto.

2. Esquente um pouco de azeite e adicione a carne seca. Quebre 6 ovos sobre a carne, coloque a pimenta-do-reino, e mexa bastante para que os ovos formem uma farofa bem sequinha.

3. Frite duas cebolas em rodelas no azeite.. Quando as cebolas dourarem, adicione a carne e apimente.

4. Refogue 4 pimentões fatiados e deixe refogar um pouco. Coloque a carne seca desfiada. Apimente e deixe cozinhar só até aquecer.

5. Pique 4 batatas em pedaços pequenos e junte à carne. Coloque a água necessária e deixe cozinhar a batata até engrossar o caldo e a batata ficar macia.

6. Deixe a carne fritar o máximo possível. Então, vá juntando 400g farinha de mandioca e virando para misturar bem. Sirva com bananas fritas.

Todas combinam com arroz branco e salada fresca.

Beba com um vinho do Vale do São Francisco, nessa semana vou escrever sobre eles.

Comentários

Anônimo disse…
Ótima explicação e receita interessante. :)
À guisa de contribuição, o jabá das rádios vem de jabaculê, que o Aurélio remete para Gorjeta:
Pequena importância em dinheiro, além do devido, que se dá a alguém cujo serviço nos parece satisfatório; gratificação, espórtula. [Sin., nesta acepç. (quase todos pop., e alguns deles bras.): anhapa, blefaia, cabeça, changa, gosto, gruja (q. v.), inhapa, jabaculê, japa, lambidela, lambuja, lambujem, maquia, mata-bicho, molhadela, molhadura, mota, potaba, saguate, xixica.]
Anônimo disse…
Já comi muito jabá na vida, nasci e passei parte da infância n zona rural, nem sempre tínhamos geladeira para carne fresca...adoro, com abobrinha então...outro coisa bacana era carne de porco frita e conservada na lata de gordura, delícias que não se vê hoje em dia, além do que fariam qualquer nutricionista morrer de obstrução das artérias coronárias, só de ler isso... kkkkkkk

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Embriaga-te de Baudelaire