A hermenêutica da seta

Como é de conhecimento do vulgo, a hermenêutica é a ciência filosófica voltada para o meio de interpretação de um objeto.

Depois de quase 30 anos de habilitação como motorista, resolvi publicar meus profundos estudos interpretativos filosóficos sobre a seta (em alguns locais chamada de pisca-pisca), aquele aparato dos carros que, segundo se supõe, deveria servir para sinalizar as mudanças de direção.

Quando eu aprendi a dirigir, a seta já era de uso comum, ainda assim os instrutores insistiam em nos ensinar a sinalização com o braço que, inclusive, era requerida no exame. Não seria capaz de traçar um paralelo entre a seta e o braço, uma vez que esse caiu em total desuso, especialmente por motivos de segurança - ninguém mais anda com o vidro aberto (é verdade que eu gostaria de saber como é que a sinalização de braço funcionava em dias de chuva).

Mas deixemos de lero-lero, aqui vão as conclusões

Seta nihilista : os adeptos dessa corrente se recusam a utilizar a mesma. Partem do direito inalienável da privacidade e acreditam que o carro de trás não tem nada que saber para onde ele está indo. É uma das correntes com mais praticantes nas ruas.

Seta estruturalista : esses motoristas crêem que cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos, dessa forma só acionam a seta quando percebem alguma tendência natural do tráfego, seja para seguí-la, seja para negá-la.

Seta pragmática : é caracterizada pela descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os limites da condição humana. Seus usuários, movidos pela sua convicção de que , em algum momento irão entrar a direita, mantém a seta permanente ligada, como uma demonstração de que são eles e não as placas que definirão os seus destinos.

Seta existencialista : essa corrente seto-filosófica e literária destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. Por isso costumam sinalizar para o lado contrário que pretendem virar como uma forma de enfatizar essa subjetividade.

Seta marxista : já foi mais popular, mas tem perdido adeptos para os pós-modernos neo liberais. O sinesíforo materialista histórico interpreta a vida conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo. Seu uso da seta manifesta-se em função dos contexto do trânsito preferindo seguir as massas nos ônibus que seguir a rota escolhida pelas vans importadas, mesmo que isso signifique uma multa por trafegar na faixa exclusiva. Só usa setas que sejam vermelhas.

Seta utilitarista: o utilitarismo nada mais é que uma forma de conseqüencialismo, ou seja, ele avalia uma ação unicamente em função de suas conseqüências. Os adeptos da seta utilitarista só costumam ligar a seta depois que já começaram a fazer a curva.

Seta fenomenológica : de acordo com os motoristas que seguem Husserl, as coisas caracterizam-se pela sua não finalização devida, pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam. Para demonstrar sua tese costumam ligar a seta muito antes do local onde pretendem virar e a desligam assim que se aproximam da conversão. Algumas noesis ocorrem quando são abalroados pela traseira.

Seta pós moderna : o uso da seta por esse grupo de motoristas resulta da dificuldade de se examinarem processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos, dessa forma, eles nunca sabem exatamente para que lado vão entrar e, na dúvida, ligam o pisca alerta.

Comentários

Anônimo disse…
Um pouco de educação seria bom no trânsito... quanto ao sentido da vida, a vida só faz sentido quando se entende os sinais... às vezes me pego acionando o controle do portão como se ele fosse abrir o verde do sinaleiro... hahahahaha! Boa semana!
Anônimo disse…
Muitas vezes uso a seta utilitarista...uahahaha...eu vou tão viajando no trânsito que quando vi já tenho que virar...O ow...aí já é tarde, to no meio da curva quando ligo a seta...kkkkk
O Tempo Passa disse…
Taí!!! Vivo numa cidade niilista!!!
Anônimo disse…
Assumo meu lado nihilista. Onde mora o Rubinho?

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