O amante da Dagmar

Dagmar é uma amiga minha. Divertida, despachada e desbocada. Ao mesmo tempo séria, compenetrada e culta. Dentre muitas das suas qualidades, ela torce pelo mesmo time que eu, o que tem se tornado cada vez mais raro com o passar do anos.

Ela é um pouco mais velha que eu e casada há bem mais tempo que eu e, outro dia, veio me contar uma história a respeito do seu casamento que eu não sabia.

Quando casou Dagmar tinha entre os seus planos de vida arrumar um amante. Não que estivesse casando contrariada, pelo contrário, casou feliz. Mas sempre foi uma devoradora de livros e achava que ter um amante completaria seu ideal literário. Não sabia se queria ser Lady Chatterley, Capitu ou Emma Bovary, mas como uma pessoa que planeja meticulosamente sua vida já tinha tudo organizado, exceto encontrar o amante.

Por isso mesmo, quando mobiliou sua casa comprou um armário que tivesse uma repartição que fosse grande o suficiente para o amante se esconder. Daqueles armários antigos, mais de dois metros de altura por um de profundidade. A porta do amante tinha também quase um metro de largura. Como ela é uma pessoa bem alta se preveniu para um homem de porte compatível com o dela.

Com o passar do tempo, Dagmar continuou feliz no casamento e, tirando o planejamento, nunca teve motivos para se amasiar. Mas ela continuou comprando e lendo livros. Na falta do "outro" e precisando de espaço começou a guardar os livros no pedaço do armário que deveria ser o esconderijo.

Não que tivesse mudado de idéia. Ela é um mulher persistente. Só que passou a mudar suas expectativas. O possível amante foi diminuindo de tamanho. Depois de um par anos ele só poderia ter 1,80m, mais algum tempo e sua altura máxima não poderia passar de 1,60m. Começou a colocar os livros nas laterais o que a obrigaria a achar um sujeito bem magrinho.

Os livros continuaram se acumulando e ela chegou num ponto que só se ela apelasse para a pedofilia, que não era o caso. Depois de mais de 30 anos de casada, o espaço do amante estava totalmente tomado por livros. Amantes que a transportaram para espaços além da imaginação, provocaram, seduziram, compartilharam aventuras, romance e poesia. Centenas de amantes que a completaram muito mais do que qualquer outro poderia fazer.

Com a vantagem que nenhum deles nunca precisou pular pela janela do apartamento.

Comentários

Anônimo disse…
Tenho muitos amantes, mas ficam à vista como a desafiar meu companheiro, acho que tenho bom gosto, porque algumas amigas emprestam meus amantes e nunca devolvem.
Anônimo disse…
Ah que saudades!! Muito bom... ando sumida eu sei ..
mas posso tb compartilhar q meus amantes, as vezes mais de um numa contemporaniedade de tempo andam usufruindo da minha atenção...
e eu aprendi q emprestar amantes jamais, melhor arranjar um "encontro marcado" com um novinho só pra elas (amigas)..rs

Beijão!
Alice
Arimar disse…
Fábio.
Parabéns. Você é mesmo um sujeito muito bom.
Lendo,rindo e relendo, fiquei aqui pensando...
E, que tal passar todos os livros para um CD ?
Rs ,rs rs rs.
Abraços.
Arimar
Fábio Adiron disse…
Vilma, Cris e Alice : o melhor de tudo é que a história (tirando a minha literalice) é real, só mudei o nome da amiga

Arimar : CD...boa idéia, o armário volta a ter um espação !
Anônimo disse…
Gostei muito. Do texto, claro. A esposa de uma amigo cotumava dizer que os mais de doze mil livros dele, além de serem suas amantes, ainda a obrigava a tirar o pós delas, de vez em quando.
Anônimo disse…
Essa foi das melhores, e gostei da sugestão de colocar tudo em CD, é fininho e sobra um belo espaço.

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