O crime do travesseiro

Francisco achou estranho que tivesse esquecido de trancar a porta de casa. Percebeu, logo ao entrar, que algo tinha acontecido.

Acendeu a luz e começou a examinar a sala. Tudo estava no lugar. Muito no lugar demais.

Entrou na cozinha, mais uma surpresa. Pia limpa, chão brilhando. Até as marcas de gordura do fogão tinham desaparecido.

Correu para o quarto. Um choque. A cama não só estava arrumada como tinham trocado os lençóis. Sua camisa vermelha, que ele sabia ter colocado no cesto de roupa suja, estava lavada, passada e pendurada no cabide.

Não acreditava que Lucíola pudesse ter feito aquilo. Era um doce de namorada mas faxina não combinava com ela. Mesmo assim ligou para confirmar. Além de garantir que não tinha feito aquilo, Lucíola ainda teve uma crise de ciúmes. Queria a todo custo saber quem é que tinha a chave do apartamento além dela.

Francisco ligou para o zelador, a única outra pessoa que tinha a chave. Ele afirmou que não dera a chave para ninguém, além do que, a sua cópia era da entrada de serviço e não da sala.

Francisco inspecionou a casa toda, nada havia sido roubado, pelo contrário, no armário das vassouras encontrou um estoque de material de limpeza que ele desconhecia completamente.

Passou a semana pensando no assunto. Já estava quase desencanando quando, na terça-feira seguinte encontrou a casa toda arrumada de novo. Dessa vez com um bilhete pedindo desculpas por ter esquecido a porta destrancada na semana anterior.

Pensou em ir à polícia, mas iria dar queixa exatamente do que? Que sua casa tinha sido invadida por uma faxineira fantasma?

Na manhã seguinte ele arrumou a cama, o que nunca fazia, mas achou uma maldade deixar a casa toda arrumada e a cama em desordem.

A terça-feira seguinte nem chegou a surpreender, exceto pelo vaso de lírios perfumando a sala. Concluiu que não ia mais tentar resolver o mistério. Sua única perda tinha sido Lucíola que não acreditou na história. Entre a casa limpa e a namorada ficou com a primeira.

Ao final do mês Francisco já estava viciado em organização e limpeza. Cogitava até em contratar uma empregada para dar manutenção na faxina, quando teve outra surpresa.

Ao chegar em casa naquela terça-feira encontrou tudo limpo e arrumado. No entanto, ao entrar no quarto deparou-se com a cena: um facão de cozinha atravessava o seu travesseiro, encharcado de pomarola tradicional. Na ponta da faca um bilhete:

"A partir da semana que vem deixe R$100 todas as terças feiras, ou seu apartamento voltará a ser uma pocilga".

Francisco trocou a roupa de cama tingida de vermelho, colocou na máquina de lavar. Sentou-se na mesa da cozinha e escreveu sua resposta:

" Eu deixo R$300 mas, por favor, venha três vezes por semana".

Comentários

Taty disse…
Deve ser uma alma penada tentando ir pro céu!.....
Arimar disse…
Fábio.
Após rir sem parar pergunto:
De onde vem tanta criatividade, inteligência,humor, seriedade, insanidade?
Por favor, só peça para acrescentar mais 300 reais( mais condução para a baixada, lógico)se houver outros dias disponíveis, he he he .
Beijos.
Arimar
clau disse…
Esta estória de faxineira supera todas as que ja tinha ouvido... rss

Postagens mais visitadas deste blog

Poemeto sintagmático

Basium, osculum e suavium

Mais ditados impopulares