Contículo galicista


Saltava aos olhos a avalanche de batom que ela usava. Parecia um bibelô, mas se sentia chique com toda aquela maquiagem que ainda incluía um rouge e as unhas marrom criadas por sua manicure-pedicure. Ela estava mais para pierrô do que para madame. Não importava. Naquela tarde iria à matinê com seu namorado, um camelô escroque vendedor de raquetes e agiota de cupons, que conhecera no guichê de uma butique. Para completar a toalete, usava um vestido de popeline e crochê que vira na vitrine da loja.

Depois de assistirem o balé, foram a um restaurante. Ela, querendo evitar gafes, seguiu os pedidos sugeridos pelo garçom. Comeu filé, omelete e um purê maionese. Bebeu uma champagne de buquê duvidoso, um glacê de sobremesa.

Dali foram a uma boate onde sorveu mais duas ou três taças de conhaque. Ela voava como se tivesse tirado um brevê. Seu vôo, no entanto, parecia ter sido vítima de alguma sabotagem, a cabine girava, não achava o guidão, tudo parecia ser uma grande maquete. Devia ser algum tipo de complô daqueles com dossiê e tudo mais.

O caminho de volta na camionete parecia não ter fim, ansiava pela garagem. Delirava com o seu edredon. Como isso lhe acontecera ? Justo ela que pagava seus carnês em dia e nunca fora pivô de tamanho vexame. Até hoje não sabe como foi acordar dentro do bidê.


* Se quiser conhecer outros contículos baseados você ler: Ecóico, Cacofônico, Tautológico

Comentários

Unknown disse…
fico sempre a pensar em meio a quais pensamentos esta sua cabeçinha constrói estes contos , melhor, estes tão peculiares contos...mas isso prova que aquele velho ditado está errado, nem sempre a mente ociosa é oficina do capeta, mesmo porque não acredito que vc tenha tantos momentos ociosos assim...

gostei do conto, só assim se dá conta de quanto se tem embrenhado no português , o francês e outros idiomas....

bijão pro comentariozão
Anônimo disse…
De seda à farrapo em uma noite, altos vôos, grandes quedas...para quedas de glacê...

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