O mais cruel dos meses


Eliot escrevia no seu Terra Desolada (Waste Land) que Abril, início da primavera, é o mais cruel dos meses. Tensão entre o renascer da vida e o desejos que hibernaram durante o inverno.
A tradução de Ivan Junqueira para o poema é brilhante, mas peca por uma falta de adaptação de hemisfério, deveria trazer o texto "Setembro é o mais cruel dos meses...", e colocar uma nota de rodapé explicando a tradução de April por Setembro. Aliás, nem precisaria de nota de rodapé nenhuma, qualquer leitor entenderia. Os que não entendessem é porque não têm a menor noção do que estão lendo.

Nosso inverno definitivamente não é o inverno de Eliot, não ficamos debaixo de neve, não temos animais que hibernam (os sabiás, meus vizinhos, cantaram durante todo os meses de junho a agosto, e continuam a cantar loucamente), nem flores como as tulipas que brotam no meio do gelo. Nossa primavera provavelmente não deveria ser, como no poema, uma estação cruel, exceto pelo fato de que, no primeiro dia da estação a temperatura não tivesse baixado 14 graus num único dia aqui em São Paulo.

Então, o que exatamente seria uma crueldade amorosa ? Crueldade é ir além da maldade, é executar o que se pensou, e não sentir nada com isso.

Gabriel Celaya, um poeta espanhol, no seu "La poesia es una arma cargada de futuro" , diz que quando nos defrontamos com os olhos claros da morte dizemos as verdades; as bárbaras, terríveis, amorosas crueldades. Dizemos poemas.

Como todos os dias estamos a um dia a menos da morte, olhamos os seus olhos cotidianamente. E cruelmente poetamos. Nem tão maldosamente (algumas vezes sim) e certamente nunca sem algum sentimento. Permitam-me essa crueldade primaveril :

Cigana


Cigana
descansa em meus braços
Como música suave
Como ave
Planando rumo ao infinito

Tirana
destrói meu peito
Tatuagem queimando
A carne
Invadindo o coração

Me ama
sem dar explicações
Do brilho da flor
Dos teus olhos
Que nunca chegam

Me ama
Tirana
Cigana

Comentários

Anônimo disse…
Assim vou acabar me apaixonando... hehehe... lindo poema!
Anônimo disse…
Ame a cigana, mas não deixe ela ver a palma da sua mão...amor sem segredos é como uma primavera sem flores...
Anônimo disse…
e onde cabe a maldade ai?

bijim de malmal
Anônimo disse…
Ri muito com seu post de hoje, pois esses dias estava eu falando com meu dignissímo namorado que dia 04 de outrubro será o aniversário dele, e eis que ele me diz: não quero comemorações, por que alguém quereria comemorar por estar se aproximando mais um dia da morte???? Por isso ri-me ao ler seu blog, pois é exatamente isso que vc diz em certo momento. Mas eu acredito que sempre temos que sentir a felicidade, e não pensar nas coisas tristes, senão a gente não vive...e sim, sobrevive.
Parabéns pelo blog, avise-me sempre que eu adoro ler essas confabulações.
bjs
Taty disse…
Amo os ciganos e a primavera, porque, pra mim, representa a estação de novos inícios, do despertar e da estaçaõ em que os dias começam a ficar mais longos.
Todas as tradições comemoram a chegada da primavera e os ciganos devem fazer altas festas!
Aliás, a primavera é propícia para novos amores, melhorar os relacionamentos, novas descobertas, enfim....nada como continuar a ouvir os pássaros, ver novas floradas surgindo e lembrar que nada morre, tudo se transforma e que as perdas são necessárias para que novas flores e folhas apareçam.

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