De volta ao deserto
Borges é, sem dúvida nenhuma, o meu autor favorito. Os contos são fenomenais (ou será que por serem fantásticos, são extra-fenomenais ?). Os ensaios e críticas são complexos e precisam de constantes releituras, nem por isso deixam de ser maravilhosos. As palestras publicadas em 7 noches são aulas maravilhosas sobre a vida, a arte, a poética. Poucos, no entanto, conhecem o Borges poeta. Ele não tem o lirismo de Neruda, nem a fluidez de Benedetti, seus vizinhos e contemporâneos. Algumas vezes é profundamente hermético, cheio de referências e símbolos.
Lembro de uma vez, acho que no final dos anos 70 ou começo dos anos 80, a Folha de São Paulo publicou um poema inédito dele. Eu me apaixonei de tal forma pelo texto que recortei a página do jornal que tenho guardada até hoje dentro de um dos seus livros. Está bem amarelado, me traz boas e más recordações e continua atualíssimo, mesmo depois da décima milésima leitura.
Admito que poucas vezes na vida eu tive a coragem de ser como Hierócles ou como o homem abandonado. Não poucas vezes eu olhei para a rosa. Olhei para trás como a mulher de Lot. Me dissolvi como uma estátua de sal.
Apesar de muito poucas, algumas vezes consegui. E aprendi que a coragem daquele homem o salvou, assim como o livrou de tormentos (e me livrou de tormentos).
Lembro de uma vez, acho que no final dos anos 70 ou começo dos anos 80, a Folha de São Paulo publicou um poema inédito dele. Eu me apaixonei de tal forma pelo texto que recortei a página do jornal que tenho guardada até hoje dentro de um dos seus livros. Está bem amarelado, me traz boas e más recordações e continua atualíssimo, mesmo depois da décima milésima leitura.
Admito que poucas vezes na vida eu tive a coragem de ser como Hierócles ou como o homem abandonado. Não poucas vezes eu olhei para a rosa. Olhei para trás como a mulher de Lot. Me dissolvi como uma estátua de sal.
Apesar de muito poucas, algumas vezes consegui. E aprendi que a coragem daquele homem o salvou, assim como o livrou de tormentos (e me livrou de tormentos).
Essa é a parábola que aprendi.
O deserto
Jorge Luís Borges
Antes de entrar no deserto
os soldados beberam longamente a água
da cisterna.
Hiérocles derramou na terra
a água de seu cântaro e disse :
Se temos que entrar no deserto,
já estou no deserto.
Se a sede vai me abrasar,
que me abrase já.
Esta é uma parábola.
Antes de afundar-me no inferno
os lictores do deus permitiram que eu
olhasse uma rosa.
Esta rosa agora é o meu tormento
no reino obscuro.
Um homem foi abandonado por uma mulher.
Resolveram fingir um último encontro.
O homem disse :
Se devo entrar na solidão,
já estou só.
Se a sede vai me abrasar,
que me abrase já.
Esta é outra parábola.
Ninguém na terra
tem a coragem de ser aquele homem.
O deserto
Jorge Luís Borges
Antes de entrar no deserto
os soldados beberam longamente a água
da cisterna.
Hiérocles derramou na terra
a água de seu cântaro e disse :
Se temos que entrar no deserto,
já estou no deserto.
Se a sede vai me abrasar,
que me abrase já.
Esta é uma parábola.
Antes de afundar-me no inferno
os lictores do deus permitiram que eu
olhasse uma rosa.
Esta rosa agora é o meu tormento
no reino obscuro.
Um homem foi abandonado por uma mulher.
Resolveram fingir um último encontro.
O homem disse :
Se devo entrar na solidão,
já estou só.
Se a sede vai me abrasar,
que me abrase já.
Esta é outra parábola.
Ninguém na terra
tem a coragem de ser aquele homem.
Comentários
Bebemos da mesma água para enfrentar desertos diferentes...
Por isso, exatamente por isso, preciso de coragem, para antes de entrar no deserto ...
Tocante! Valeu.
e isso é uma capacidade dos que vivem sem mêdo..
bijo pela clareza.
malmal
Obrigada pelo poema! :)
Ano passado, num sebo-livraria em Rio Claro/SP, foi comprado por uma adolescente de cabelos cor de rosa um exemplar verde - "O que é isso, companheiro?", de Gabeira - que, em seu interior, continha um papel jornal amarelado, recortado de uma Folha de São Paulo, com o poema de Borges, o mesmo que comenta aqui.
Após uma árdua busca na Internet, os acasos mil mostraram esse blog. Pelo tamanho da coincidência, não deve ser absurdo comentar aqui o ocorrido. Se for seu poema, agora sabe onde ele está: numa estante de uma adolescente cor de rosa.
http://imgur.com/AGUpZFc - o recorte, sem cortes.