A calcinha da discórdia
Jerônimo era o tipo de sujeito quadrado até o último milímetro da pele. Criado de forma espartana e com separação clara a respeito das “coisas de homem” e “coisas de mulher” nunca se sentiu confortável em situações em que precisava atravessar a linha divisória.
No salão de beleza que a mulher frequentava ele sempre esperava do lado de fora, mesmo que estivesse chovendo cântaros e moringas. Passava ao largo das portas de vestiários e banheiros femininos e, obviamente, jamais entrara em uma loja de lingerie.
Amélie, sua esposa, conhecedora das idiossincrasias do marido, quando precisava renovar o estoque de calcinhas e sutiãs ou ia sozinha ou, caso estivem juntos em algum shopping mandava-o ir dar uma olhada na loja de sapatos masculinos. Ele já sabia o que ela ia fazer.
Quando estavam prestes a comemorar a primeira década de casamento Jerônimo resolveu que era a hora de surpreender Amélie e não seria com mais um anel ou brinco caro que conseguiria isso.
Entrou no shopping, respirou fundo e começou a olhar as vitrines das lojas de lingerie. Não sem corar a cada vitrine que via. Até que viu uma coleção de calcinhas de renda de diversas cores.
Respirou mais fundo e entrou na loja. Pediu à primeira vendedora que encontrou uma calcinha de cada cor.
Não contava que ela lhe perguntasse o tamanho que ele, obviamente, não sabia. Foi obrigado a ficar comparando o tamanho da vendedora ao de Amélie, o que foi o supra sumo do constrangimento.
Chegou em casa mais cedo. Colocou as calcinhas organizadamente sobre a cama e sentou-se para esperar a mulher.
Amélie estranhou sua presença em casa tão cedo. Ele se justificou dizendo que viera mais cedo para se preparar para o jantar de comemoração. Ela o beijou e foi se arrumar.
Os gritos não demoraram 20 segundos para começar:
" - Quem é a mulher brega que esteve nessa casa?!?"
" - Ninguém veio aqui meu amor..."
" - Seu mentiroso safado! Além de sair com outra mulher ainda foi arranjar uma de incrível mau gosto! "
Ele ainda tentou explicar que ele mesmo comprara o presente, mas não teve tempo.
" - Imagine só se Jerônimo Garcez alguma vez entrou, entra ou entrará numa loja de lingerie. Só pode ter chamado um "inha" para fazer isso com ele. Vergonhoso!"
Amélie arrancou a aliança, jogou em direção a Jerônimo e saiu batendo a porta.
Jerônimo não sabia se estava mais ofendido pela desconfiança da mulher ou pela sua crítica ao gosto dele.
Pegou as calcinhas. Jogou-as num balde com álcool e tocou fogo na renda.
E jurou a si mesmo que nunca mais entrava em loja nenhuma.
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