Pelo telefone
José já era bem passado dos trinta anos quando resolveu que estava na hora de morar sozinho.
Sua mãe lhe deu todo o apoio, mas os amigos acharam que ele estava fazendo uma maldade deixando-a sem companhia. Os irmãos, mais velhos e casados, não falaram nada, mas também não ficaram satisfeitos com a mudança.
Para não causar muito stress, José foi morar a poucos quarteirões da mãe. Ajeitou-se bem num pequeno apartamento e, com a ajuda de Rosana, sua namorada, decorou-o sem exageros e com bom gosto.
Assim que sentiu que estava devidamente instalado avisou os amigos sobre o novo endereço e o novo telefone.
O que ele não esperava é que o telefone nunca tocasse. Não que não funcionasse, ele fazia ligações normalmente e quando ligava do celular para o fixo era bem sucedido.
Depois de 6 meses ele era capaz de contar nos dedos das mãos as ligações recebidas. Duas ligações de televendas, uma por engano e uma de Rosana (que preferia ligar no celular) e uma da mãe avisando que iria passar o final de semana na casa de um dos seus irmãos.
Acostumou-se com o fato e, num determinado momento, esqueceu do assunto. Até o dia em que Rosana veio passar o primeiro fim de semana com ele.
Diferentemente do telefone de José, os de Rosana tocavam o dia inteiro. Fazia sentido, médica pediatra, sempre tinha alguma criança com otite ou rotavírus ou, pelo menos, alguma mãe fresca em pânico sem nenhum motivo.
José já se acostumara a ser interrompido durante os momentos mais inusitados pelos telefones de Rosana inclusive, nesse final de semana, ela chegara em casa receitando colutórios.
Quando entrou, ela deixou seus três telefones na mesa da sala. Ajudou a preparar o jantar, comeram, lavaram a louça, assistiram a um filme na TV e foram deitar.
Rosana, nesse momento, percebeu que não recebia ligações há mais de três horas. Checou os telefones. Todos com baterias carregadas e sinal das operadoras.
Foi deitar preocupada mas depois pegou no sono e dormiu profundamente, como há muito não acontecia.
Assustou-se ao acordar. Achou que tinha dormido tão pesadamente que não ouvira os telefones. Mas não havia nenhuma chamada.
Ligou o computador de José já supondo que algum desastre tivesse derrubado o sistema telefônico nacional. Nada. Vida normal.
José, de tão acostumado ao silêncio, nem tinha percebido. Pegou seu telefone e ligou para os celulares de Rosana, todos tocaram.
Pior, mal colocaram o pé na calçada para ir à padaria e começaram as chamadas para Rosana.
José ligou para um amigo, alto funcionário técnico da tele. O amigo disse que poderia ser um problema de subtensão, surto de tensão ou falha de comutação. José não entendeu nada e o amigo disse que mandaria um técnico verificar.
O técnico veio no mesmo dia, examinou os aparelhos, verificou a rede do prédio, chegou mesmo a examinar a caixa telefônica na rua. Não achou nada.
Levou o problema ao comitê técnico da empresa. Ninguém conseguiu resolver. O caso era realmente incomum. Resolveram fazer um conference call com técnicos de outros países.
Dias depois, José recebeu um pacote pelo correio, era do seu amigo. No pacote, uma carta e um grosso calhamaço com um laudo.
O problema tinha sido identificado por um engenheiro cingalês.
A casa de José estava cercada por uma nuvem de raios epsilon que impediam a propagação de sinais telefônicos.
O nome do problema era "Ego vos ignorare" e atingia qualquer telefone que estivesse no local.
Nunca mais tocou no assunto.
Comentários
OBAA!!!!! Finalmente!
Dá para dar o enderço do José?
Você poderia fazer o favor de perguntar a ele , se tem algum apartamento para vender ou alugar no prédio ?
Bom Domingo.
Beijos.
Bom dia!
Mas vc sabe que eu já conhecia este problema, Fabio?
Pq este fenomeno tb acontece aqui na minha casa em SP, e só Freud explica. Ou melhor, Jung.
Hihihi!
Bjs!