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Mostrando postagens de novembro, 2010

Uma rosa é uma rosa

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Fernando nunca levou a sério pessoas que fossem viciadas em qualquer coisa. Achava essa história de dependência física, química ou psicológica uma besteira. Coisa de gente fraca que não tinha autocontrole ou capacidade de gerir suas próprias vidas. Pessoas como ele não permitiam que nada fosse mais forte que a razão. Chegou mesmo a perder alguns amigos por isso. Suas críticas nunca eram leves e seus comentários, mesmo em tom de brincadeira, eram ferinos. Outros relevavam, afinal, tirando essa mania, ele não era um mau sujeito. Fernando só perdeu as estribeiras no dia em que um colega de trabalho disse que ele tinha dependência psíquica de falar mal das dependências dos outros. Para contrariar esse tese ficou mais de dois meses sem tocar no assunto. Foi nessa época que, num sábado, foi tomar chá na casa de uma velha tia que ele sempre visitava. Entre chás, torradas e biscoitos, ela trouxe uma novidade que ganhara de uma neta: um vidro de geléia de rosas. Fernando achou estranho comer fl...

Traje dos céus

Não é a primeira vez que eu cometo uma traição nesse blog, pelo contrário, sou um traidor contumaz como se pode ver aqui . Também não é a primeira vez que traio Yeats, ele já me puxou as pernas à noite pelo que fiz com o vagante Aengus . Dessa vez traio os seus sonhos, ou serão os meus? Traje dos céus Tivesse eu trajes tecidos nos céus, Permeados de ouro e prata e luz, O azul e o sombrio e escuro traje De noite à noite à meia luz, Lançaria sob teus pés minha capa Mas pobre eu sou, só sonhos tenho Sob teus pés lancei meus sonhos Pise suavemente, caminhas em sonhos. Anthony Hopkins em 84 Charing Cross Road também tinha devaneios com esse poema O original é o seguinte Cloths of heaven William Butler Yeats HAD I the heavens' embroidered cloths, Enwrought with golden and silver light, The blue and the dim and the dark cloths Of night and light and the half-light, I would spread the cloths under your feet: But I, being poor, have only my dreams; I have spread my dreams under your feet; ...

A vetusta antologia de Outubro

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Acho que eu acabei sendo muito sério esse mês e, como consequência, a maioria dos comentários também o foi. Mas sempre tenho companheiros insanos a tergiversar pletoras. Aí vão os melhores comentários de Outubro Se um dia eu crescer...também quero ser assim... Entupa todos os ralos do seu lar com estopa. Pois é... O certo mesmo é ser piranha do brejo e morder tudo quanto é calcanhar. ...se essa caixinha ficar quieta,eu consigo contar... também é composto de colágeno... Essa brincadeirinha dos pontos pretos me deixou pálida... nos dieron la lección de la vida en la greda morte chegar num café com cultura... Que mente é essa, a minha??? Cicuta é bebida fraca, tem algo + forte? Vou imprimir e destribuir na feira. chamado o capitão caverna para ajudá-la Uahahahaha...pessoa louca..

Lei do silêncio

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Ana entendeu perfeitamente quando Carlos falou que sua mãe viria morar com eles. A mãe ficara viúva há pouco tempo e os filhos acharam melhor que ela não morasse sozinha. Carlos tinha a casa que permitia alojar a mãe. A nora, apesar das lendas, se dava muito bem com a sogra e cuidou de todos os detalhes da instalação dela em sua casa com carinho e delicadeza. O que eles não pensaram, em momento algum até a mudança era que, a partir daquele momento, não estariam mais sozinhos em casa, e no que isso implicava. Naquela noite, quando Carlos se enroscou em Ana, caiu a ficha. Não que algum dos dois fosse exatamente escandaloso, mas também não eram nada silenciosos. Naquele momento, Carlos perdeu o ânimo, Ana não entendeu, aquilo nunca tinha acontecido antes, até Carlos murmurar: " - A mamãe..." Ana desabou. Nunca mais aventuras no corredor. Temperos na cozinha, nem pensar. Chamou Carlos para levantar e ir até a cozinha para tomar um chá. Precisavam conversar. Carlos comentou que el...

Sem fumaça

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Rosana ouviu o apito do celular e ficou imaginando quem poderia estar lhe mandando torpedos numa hora daquelas. Não acreditou quando viu que era uma mensagem de Sérgio, perguntando se ela tinha melhorado da dor de cabeça. Até seria uma atitude gentil, não fosse o detalhe que ela estava no quarto e Sérgio, seu marido, estava na sala vendo televisão. Ela não respondeu. Cinco minutos depois o telefone tocou. Era Sérgio querendo saber se ela tinha recebido o torpedo. Quando disse que sim ainda foi obrigada a ouvir a cobrança de que não tinha recebido e depois ia reclamar que ele não se preocupava com ela. Ficou tão brava que desligou o celular e tirou o telefone fixo do gancho. A dor de cabeça piorara e ela queria dormir. Não conseguiu. Dez minutos depois Sérgio apareceu na porta do quarto reclamando que não conseguia falar com ela e só caia na caixa postal. Ela enfiou a cabeça embaixo do travesseiro. Não dormiu, pensando a noite inteira. No dia seguinte dedicou-se à pesquisa de antropolog...

Cena hiperrealista

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Na Praça Clóvis, Bevilacqua ainda ressonava junto ao meio fio ao som da sua orquestra de pulgas amestradas tocando um pout-pourri de Benny Goodman. Os primeiros passantes da madrugada olhavam acintosamente a cena, o que não os impedia de lançar cáusticas bitucas nos bueiros arratazanados. A moça de camisa rosa paramentava os abrolhos discrepantes que pendiam solertemente das vitrines da alma Corega! Corega! Bradava Cantinflas do alto do seu tabuleiro de rapadura na esquina da Maria Quitéria. Os janisteus cabrobravam paulatinamente os pneumáticos espreguiçantes, entre ladrilhos e abutres. Desde a praça, ramos pendiam flácidos entre columbiformes e amorfas lagartas que atacavam vorazes as penas de morte. Tua perplexidade diante de fatos combustíveis inexorava a multidão. E eu saí pelas ruas em busca do tempo mordido.

Escravos de Jó

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Rinaldo e Karina começaram a namorar na adolescência e nunca se separaram. Também nunca casaram. Nem eles mesmos sabiam explicar o por quê (ou os vários por quês). Chegaram mesmo a comprar e mobiliar um apartamento com a intenção de morarem juntos, o que nunca aconteceu. O apartamento virou um lugar de refúgio para eles. Ambos usavam o lugar sozinhos, algumas vezes; muitas outras juntos, geralmente nos finais de semana. O que não impedia que um dormisse na casa do outro de vez em quando. Rinaldo morava coma mãe, já idosa. Karina coma irmã mais nova. Nem uma nem a outra jamais questionaram o arranjo de vida dos dois. Já o resto do mundo não entendia nada. No começo ainda tentavam explicar, depois desistiram e começaram a se divertir com as reações das pessoas. No supermercado os olhos arregalados dos caixas quando separavam as compras da minha casa, da sua casa e da nossa casa. No cabelereiro ela ria quando Rinaldo chegava com a mãe e saía com ela dizendo que ia até em casa antes de vol...