Entre o real e o ilusório: resposta aos homens ocos
O vazio avança e o real se desfaz diante de nossos olhos. Entre imagens, notícias, estímulos incessantes e promessas, o mundo se tornou um espetáculo de aparências e máscaras. T. S. Eliot já havia vislumbrado esse cenário quando descreveu seus "homens ocos", aqueles seres "empalhados" que sussurram vozes dessecadas como "vento na relva seca". Mas onde Eliot via paralisia, podemos encontrar movimento. Onde ele percebia "forma sem forma, sombra sem cor", ainda é possível detectar potências.
O ilusório
não encanta mais: agora corrói. Dissolve contornos, confunde referências e
deixa um espaço silencioso e inquietante, onde antes a realidade se sustentava
no bom combate. Os "homens ocos" de Eliot habitam essa mesma terra
morta, "esta terra do cacto" onde as imagens de pedra recebem
súplicas de mãos mortas. Contudo, diferente da resignação elioteana, cabe
reconhecer que não estamos condenados à perpétua paralisia.
Esse vazio
vai além da simples ausência. É uma presença inquietante, um espelho que nos
confronta com o nada, com a flutuação que desequilibra e clama por valores à
deriva. Eliot conhecia bem esse território: "Entre a ideia / E a realidade
/ Entre o movimento / E a ação / Tomba a Sombra". Mas justamente nesse
espaço onde "tomba a Sombra" pode germinar a lucidez.
O valor da
vida tem sido colocado em questão. Sentimo-nos estranhos e confusos diante do
diverso, como se o mundo tivesse mudado de pele e não conseguíssemos mais
reconhecer nossa própria essência para o viver. É nesse espaço que percebemos a
fragilidade das certezas, a instabilidade dos valores e a urgência de refletir
sobre o que realmente importa. Os olhos que Eliot temia encontrar em sonhos -
aqueles que "não aparecem" no reino de sonho da morte, talvez sejam
justamente os que precisamos resgatar para enxergar além do vazio.
"Rasgar
o papel do mundo e olhar a própria essência" (Clarice Lispector). E é
justamente nesse vale de ausência de sentidos que a lucidez, rara e vigilante,
ainda pode se manifestar, encontrando frestas de acesso ao que parecia
impossível. Enquanto Eliot nos apresenta homens que "juntos tateamos /
Todos à fala esquivos", a proposta aqui é diferente: não tatear no escuro,
mas criar luz.
Quando o
real se desfaz entre ilusões, imposições sem sentido e manejos silenciosos que
escapam à razoabilidade, cabe às mentes expandidas, atentas e pensantes seguir
incessantes, conscientes do papel que lhes cabe. Não podemos aceitar que o
mundo expire "não com uma explosão, mas com um suspiro", como previa
Eliot. O desafio é manter a força da sanidade, recriar significados, reforçar
recursos internos, reinventar referências e dar densidade às experiências.
Entre o real
e o ilusório, o vazio pode ser semente. Ele invade, provoca, inquieta e
desperta. Cada simples ideia, uma decisão, por mais discreta que seja, carrega
poder de transformação. "O homem está condenado a ser livre"
(Sartre), e é precisamente nessa condenação que reside nossa força contra a
paralisia dos "homens empalhados".
A escolha é
permanecer prisioneiro da ausência, do vazio, do desgaste interno, ou optar
pela reconstrução de valores, princípios e hábitos que fortaleçam o indivíduo,
promovendo clareza, sentido e presença no mundo. O vazio é o território onde se
decide a reconstrução do consciente. A mudança começa no interior, silenciosa,
mas com efeito sobre a própria vida e sobre a forma como se decide viver cada
momento.
Fontes:
- CASTANHO, Vera Helena.
"Entre o real e o ilusório: a invasão do vazio". Capa Brasil.
Disponível em:
https://capabrasil.com.br/entre-o-real-e-o-ilusorio-a-invasao-do-vazio/
- ELIOT, T. S. "Os homens
ocos". Trad. Ivan Junqueira. Disponível em:
https://singularidadepoetica.art/2017/04/04/t-s-eliot-os-homens-ocos/
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