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Mostrando postagens de 2014

O discurso canalha

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“O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.” Nelson Rodrigues Desde os primórdios o homem se recusou a assumir os próprios erros. Adão disse que foi a mulher, Eva disse que foi a serpente. A serpente não tendo a quem empurrar a culpa saiu rastejando, mesmo porque não podia nem apontar o dedo nem enfiar o rabo entre as pernas por questões anatômicas. Time que perde o jogo faz a mesma coisa. Diz que a culpa é do juiz. Da torcida. Dessas regras que inventaram e, se não sobrar para mais ninguém, a culpa é do vendedor de cachorro quente no estádio que gritou mais alto na hora do chute e distraiu o goleiro. Todos são perfeitos. Todos são maravilhosos. Todos são irrepreensíveis. Como admitir, diante dessa grandeza e maravilha, que o adversário foi melhor? Claro que deve ter acontecido alguma coisa estranha. E a coisa estranha só pode ter origens exógenas ao ser impecável. Roubo, fraude, má fé, estelionato e outras desonestidades quaisq...

Males aleatórios

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Paramécio sofria de cibercondria, uma doença cada vez mais comum nos meios digitais. Não havia notícia, meme ou post que não o levasse para a cama com todos os sintomas mencionados na Wikipédia ou site do Dr Dráuzio. Uma tarde, o paranoico paramédico digitou uma palavra incorretamente e foi parar num glossário de estatística. Não entendeu nada e ficou apavorado, o que é que isso significaria na sua vida miserável e doentia? Resolveu consultar todos os seus amigos médicos e todos os sites de saúde com a seguinte mensagem: Doutor, Preciso da sua ajuda. Estou sofrendo de uma enfermidade misteriosa que não é mencionada em nenhum compêndio médico digital. Não sei se esta patologia é fatal ou se não é o caso de formar uma junta médica para me examinar e, quiçá, me recomendar algum centro de estudos no exterior. Tenho tido dores nos quartis com muita frequência, existe a probabilidade que eu esteja com a mediana inflamada, o que pode se configurar num qui-quadrado fora de...

Corredor de ônibus

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Mariana morava no Grajaú e todos os dias acordava às 5 da manhã para ir trabalhar num escritório de contabilidade na Libero Badaró onde estava há mais de três anos. A viagem de ida não costumava ser muito sofrida, mas a de volta era uma tortura. Mesmo quando saía pontualmente às 18h não chegava em casa antes das 21h. O trajeto incluía uma pequena caminhada até a praça do Correio onde embarcava, às duras custas, no 5317. Uma viagem de quase 33 km e depois mais um trecho à pé até a estrada do Capoeira, onde tinha a sua casinha com Horácio. Os dois estavam juntos há cinco anos. Ela o conhecera numa festa de bairro e, não pouco tempo depois juntaram os trapos e as panelas. Horácio era um sujeito trabalhador e carinhoso. Tinha uma oficina de motos na Teotônio para onde ia e voltava de casa caminhando. Não acordava tão cedo quanto Mariana e, como sempre chegava em casa antes dela, preparava o jantar para a companheira exausta do dia de trabalho e da jornada de ônibus. To...

Insana convidada* - A montanha negra

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  Estamos indo para a nossa nova casa. Minha mãe esteve procurando, por muito tempo, uma casa qualquer em Santinas, cidade da vovó. Mas nunca encontrava uma casa decente. Um dia qualquer do mês passado, ela recebeu um e-mail da imobiliária. Nele dizia: “Olá Srta. Marcia. Sei que está procurando uma casa em Santinas. Infelizmente todas as casas estão ocupadas. Porem temos uma proposta. Foi desocupada na semana passada a casa dos Jacobs. A filha deles desapareceu há aproximadamente um ano. Então voltaram à cidade natal. Essa casa que lhe oferecemos fica na Montanha Negra. Um lugarzinho meio frio, com neblina, mas apenas 12km de distância de Santinas. A estrada é asfaltada e muito acessível. Segue uma foto da casa... Atenciosamente                    - Fabiana. “ A casa tinha uma aparência estranha. Moderna e antiga ao mesmo t...

Fiat lux

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Quantos participantes de uma rede social são necessários para trocar uma lâmpada? 1 para trocar a lâmpada e contar para o mundo que a lâmpada foi trocada 28 para dizer que também já trocaram uma lâmpada alguma vez na vida 14 para dizer que a lâmpada poderia ter sido trocada de forma diferente 7 para falar a respeito dos riscos ao se trocar uma lâmpada 7 para corrigir os erros de ortografia na mensagem sobre a troca da lâmpada 5 para falar mal dos corretores ortográficos 3 para corrigir os que corrigiram as mensagens 6 para discutir se a lâmpada é incandescente ou fluorescente e mais 6 para chamar os primeiros de idiotas 2 profissionais que trabalham na indústria para informar que o termo correto é terminal luminoso e não lâmpada 15  que dizem que já trabalharam na indústria, e que lâmpada é perfeitamente correto 19 reclamando que não entra na rede social para ouvir falar sobre lâmpadas, pedindo para parar com essas mensagens ou para...

Millorianas

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Esse mês foi aniversário do Millôr, o homenageado desse ano na FLIP. Ele faz parte da minha memória afetiva literária, e deixo aqui algumas   brincadeiras a seu estilo Quem chama de donzela a macróbia meretriz É de estirpe paralela ou só se contradiz Se a vaca tussir, a   porca vai torcer o rabo? Um mistério assim bisonho nunca desvendamos Para onde vão os sonhos quando acordamos? Uma reflexão sensata é um eco lógico? Se no botão do elevador eu comprimo a seta errada Sou sujeito sem pudor e nenhum predicado Não trate com leniência as minhas facécias

Prisão

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  De uma sugestão do José Antonio Klaes Roig Vivo aprisionado entre duas eternidades. A uma chamam passado e à outra, futuro. Duas eternas cidades nas quais me transfiguro. Vivo aprisionado entre duas infinitudes. A uma chamam cuidado e à outra, paixão. Duas longas juventudes constante fecundação.