Contículo catacrético

Isadora entendeu o miolo da questão, pôs a mão na barriga da perna que escorregou até o peito do pé.

Já não caminhavam na mesma mão de direção. Barcos que um dia seguiram o mesmo leito de rio resolveram seguir braços diferentes.

Dava para notar as asas do seu nariz arfando. Já tinha comprado as passagens para embarcar no avião na boca da noite.

Ele continuava a tirar a pele do tomate e a picar dentes de alho, línguas de fogo emanavam do fogão.

Ninguém mais coçava as costas da cadeira, nem tocava a asa das xícaras. Preferia os braços da poltrona, aos dela.

Nem mesmo a última tentativa sensual de tirar os botões de suas casas, arregaçar as mangas da camisa e puxar a boca da calça funcionaram.

André já não abanava mais a cauda do seu piano. Era como se a roupa que ela tirasse estivesse repleta de cabeças de alfinete.

Era um motor de centenas de cavalo num veículo que sequer tinha macaco, não era mais a menina dos seus olhos.

Aos pés da mesa, folhas de livros se espalhavam, sobre o tom do absurdo, em bico de pena.

Catacrese ocorre quando, por falta de um termo específico para designar um conceito, torna-se outro por empréstimo. Entretanto, devido ao uso contínuo, não mais se percebe que ele está sendo empregado em sentido figurado.

Comentários

Anônimo disse…
Minha cabeça de cebola e meus dentes de alho amanheceram doendo,deve ser porque meu pé de abobrinha não está crescendo no leito da horta.
Anônimo disse…
Muito sugestiva a imagem das cabeças de alfinete.
Unknown disse…
bom de ler , mas sempre acho que vc poderia continuar e continuar, é rico demais pra tão pouco...no mais cabeças de alfinetes são boas demais para o toque, coitada da pessoinha nas qual as pontas estejam espetadas...sádico e ruinzinho..

bijok...
Anônimo disse…
Também fico querendo mais, os escritos são leves e fortes. Te ler da a impressão de ir longe e ao olhar pra trás, perceber que dei dois passos, que há muito pra percorrer e que eu quero muito ir até lá... Onde? Tu tem que dizer.
Magnífico.
Beijo.

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