Em busca da irrealidade perdida



 Humankind can´t bear very much reality

T.S. Eliot – Four quartets

 

A humanidade não suporta muita realidade, constatava Eliot em 1936, o tempo passado e o ponto futuro, o que será e o que já foi apontam para o mesmo fim que é sempre o presente. Existir é ser algo temporário, o homem não passa de um estranhamento que ele faz de si mesmo projetando-se no passado, no presente e no futuro, as três êxtases como definiria Heidegger, as três maneiras de estar fora de si mesmo.

O tempo presente é a versão trazida a valor presente do cavaleiros do apocalipse (a escatologia bíblica, favor não confundir com os cavaleiros do zodíaco): a peste, a guerra, a fome e, finalmente, a morte. Essa é a realidade que explode na capa dos jornais, nas TVs, nas redes sociais e nos grupos virtuais, todos os dias.

O passado não passa de uma memória irreversível, pode ter sido bom ou ruim, mas ficou para trás.

O que nos resta é o futuro e a eterna esperança de encontrar nele alguma esperança redentora que seja diferente da realidade presente. Por isso sempre estamos em busca das tendências para o futuro, especialmente aquelas em que seja possível fugir da realidade.

Como bem observou o Courtnay Guimarães, o metaverso é apenas mais uma forma de fuga da realidade, mais uma tentativa de lidar com a falta de significado existencial para a vida.

Desde antes da fala de Eliot, a humanidade está em busca desse lugar onde não tenha que lidar com a realidade. O teatro grego já usava do recurso da catarse ( experimentar da liberdade em relação a alguma situação opressora) como uma forma de purificação ou purgação da realidade, outros se limitavam apenas a fugir através do uso de alucinógenos (e muitos ainda se apegam a eles nos dias de hoje).

O mundo digital trouxe novas ferramentas para a fuga. Desde as anacrônicas salas de bate papo, onde as pessoas já se identificavam com avatares, passando pela experiência proto-metaverso do Second Life que, por sinal, fracassou à medida que a realidade começou a povoá-lo.

De certa forma é uma profecia previsível supor que quando a vida real invadir o metaverso (e, de certa forma, já está fazendo isso), começaremos uma nova busca de outra forma de redenção. Claro, turbinada por alguma nova tecnologia, como menciono no meu “O mito de um mundo melhor”.

Alfred Whitehead, filósofo do começo do século XX (assim como Eliot) já definia isso como a falácia da concretude extraviada, ou fora do lugar. Segundo ele a nossa concepção do universo (e por extensão da vida) está solidamente construída em termos de alta abstração e tomamos, por engano, as nossas abstrações por realidades concretas.

É óbvio que essa minha peroração não vai mudar em nada a expectativa que se está construindo em torno do metaverso (eventualmente ele será uma ferramenta interessante para determinados fins utilitários), mas tampouco o metaverso vai mudar o vazio existencial da humanidade.

O resto, já diria o príncipe da Dinamarca (onde havia uma realidade podre), é silêncio.

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