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Mostrando postagens de setembro, 2010

Sous plat

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Quando acabou de abrir seus presentes de casamento Rogério olhou desapontado para Marisa. Não tinham ganho o jogo de sous plat que ele marcara em todas as listas de presentes. Marisa sorriu amarelo e disse que depois cuidariam disso. Os anos se passaram e, todas as vezes que Rogério via sous plats nas lojas dizia que ia comprar. Nunca conseguiu. Marisa sempre dava alguma desculpa para adiar a compra. Ora que não tinham dinheiro, ora alegava que recebiam poucas visitas. Mais de uma vez disse que sous-plat era coisa de restaurante, não de casa. Quanto mais adiavam a compra, mais frustrado ficava Rogério. Até pensou em comprar sozinho, mas sabia que a mulher ficaria exaltada se ele fizesse isso. As desculpas se sucediam. Num determinado momento a frustração começou a virar ressentimento. O ressentimento em ódio. Marisa achou que a distância de Rogério era infidelidade. Só podia ter arranjado outra. Começou a seguí-lo pela rua. Um dia viu-o entrando em um flat. Esse deveria ser o ninho de

Uma lição de tango

Por una cabeza (Carlos Gardel e Alfredo Le Pera), tocado por Tango Project Minha parceira no video é minha professora Melissa When you undertake to dance the tango you become ready to move beyond life's fears. You acquire a way to celebrate life's romance. You dance of dreams: of passion, tension and release, frustration, conflict, separation from home and loved ones, and of resolution. You dance of your destiny in the making Argentine Tango is to lead and follow, to step to & fro, to turn right & left, to move together as one body. To Tango is to trust, to pause, to dance in a close embrace, articulating the unfolding of desire into passion. (Hugo Heyman)

Cortina de fumaça

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Arnaldo nunca fora ciumento mas, já há algum tempo, começara a desconfiar do comportamento de Veronica. Ela passava mais tempo fora de casa, alguns dias chegava tarde e, mais de uma vez, achou que ela estava com roupa diferente da qual tinha saído. Começou a questioná-la. Bo começo, de forma discreta, depois de maneira mais incisiva. Ela sempre tinha uma história, sempre envolvendo Magali, sua melhor amiga. Tinha almoçado com Magali. Ido ao cinema com Magali. Passeara no shopping com Magali. Arnaldo tinha certeza que a amiga estava acobertando Veronica. Tinham intimidade suficiente para isso e a amiga fazia o papel de cortina de fumaça. Chegou mesmo a aparecer de surpresa no restaurante preferido delas num dia que Veronica disse que ia almoçar com Magali. Quebrou a cara. As duas estavam mesmo almoçando, e riram muito dele. Arnaldo não se conformou. Alguma coisa existia e ele precisava descobrir. Todas as quartas-feiras Veronica dizia que ia passear com Magali e sempre chegava tarde. Nu

Em busca do Graal

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No tempo ancestral dos sonhos, de um reino outrora obscuro e pequeno, tornaste-te princesa. Os becos sujos da alma converteste em alamedas floridas. Perfumadas. Teu sorriso abriu as portas dos cômodos e incômodos trancados. Envergonhados. A melodia da tua voz era como o primeiro raio de luz da manhã. Nas tuas mãos o brilho dos cristais. Hoje as flores sentem a tua ausência, e do perfume que as fez negar seus próprios aromas. A água das fontes resseca por não poder tocar tua pele e os pássaros aguardam teu comando para cantar. Soberana desse reino, todos teus súditos esperam o teu retorno das cruzadas. Enquanto lutas pelo cálice de fogo e sangue, o reino treme de saudades, paralisado. Com o olhar fixo na estrada pela qual voltarás envolta em nuvens e espuma. Chegarás portando o Graal e assumirás o trono que a ninguém mais pertence. Para sempre.

Em busca de Kalsahad

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No deserto da Mauritânia existe uma caverna escondida em meio às dunas do Saara, em algum ponto entre Atar e Tidjikdja. Ninguém nunca souber precisar exatamente a sua localização. É a morada de Kalsahad, a serpente que salva ou destrói homens que se perdem no deserto. Ao encontrar um viajante perdido ela imediatamente o ataca e inocula o seu veneno. A salvação depende apenas da obediência a ordem do réptil: jamais revelar nada a respeito dela. Após a mordida, Kalsahad conduz a pessoa à fonte de água da sua caverna e, em seguida guia o viajante até a saída do deserto. Caso algum deles tente contar a história para outro ser humano, o veneno age imediatamente e, em segundos, a pessoa morre asfixiada. A história da Kalsahad só foi revelada ao mundo quando Timothy Karsten morreu e, entre os seus escritos, foi encontrado o relato de sua passagem pelo deserto, num envelope lacrado dentro do seu cofre, com a recomendação de que quem achasse aquele texto deveria mantê-lo em segredo, sob o risco

Nunca olhou para outra

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Haroldo era um marido exemplar. Trabalhador eficiente, pai zeloso e cidadão honesto. Se não era mais que um cara burocrático com a mulher, essa também não tinha muitas queixas, vivia sua vida sem sobressaltos. A máe de Haroldo o considerava o seu orgulho pessoal. Na sua visão materna criara o homem perfeito e sempre que encontrava Soraia, a mulher de Haroldo, ela fazia questão de ressaltar que ele nunca tinha olhado para outra mulher. Como acontecia todos os anos, no período de declaração de imposto de renda, Haroldo trabalhava até mais tarde todos os dias no escritório de contabilidade. Não era diferente naquele ano. O diferente é que Soraia começou a captar sinais preocupantes. Um dia Haroldo chegou em casa com fios de cabelos presos no paletó (deve ter sido no ônibus, ele disse). Em outro dia cheirando a perfume feminino (é aquela secretária que exagera na dose e empesteia o escritório com esse cheiro) e até mesmo uma mancha de batom no seu lenço (emprestado a uma colega resfriada,

Um duplo singular

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Esquizofrenia é um transtorno mental que caracteriza-se essencialmente por uma fragmentação da estrutura básica dos processos de pensamento, acompanhada pela dificuldade em estabelecer a distinção entre experiências internas e externas e pela multiplicidade de personalidades de uma pessoa. Não era o caso de João, ainda que muitas vezes o diagnóstico inicial apontasse para isso, depois de algumas consultas os médicos descartavam e ssa possibilidade. A mãe de João não sabia mais o que fazer com o menino que ora se dizia ser João e, em outras, era apenas João. Quando questionado quem era naquele momento ele sempre dizia a mesma coisa: "- João... ora bolas!". Por outro lado, quando ele mudava de João ele avisava. João tinha momentos de bom e mau humor, João também. As pirraças não eram de um João específico, tão pouco as brincadeiras. O menino tinha mesmo dupla personalidade, só que as duas personalidades comportavam-se da mesma forma. Só havia uma exceção: nem todos os amigos de

Hoje é o dia 1 do resto da minha vida

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Hoje é o dia de ouvir aquelas frases clássicas sobre espírito jovem, sobre a vida começar aos 50 e de dizerem que eu não mudei nada... Quantas vezes ouvi as pessoas falarem....X anos de idade, mas com um espírito jovem? Longe de me parecer algo saudável, isso me soa um pouco esquizofrênico : dupla personalidade ? uma no corpo e outra no espírito, não sei não... Eu prefiro comemorar meu aniversário de verdade, de corpo e espírito que caminham juntos e fazem de mim uma pessoa cada dia mais imatura e menos consistente. Não faltarão os comentários sobre ser a minha idade a melhor fase da minha vida, assim como sempre as pessoas se referem à idade das crianças. Também esse tema é objeto das minhas discordâncias. Eu nunca tive uma fase melhor na minha vida, todas elas foram tão boas que é impossível definir uma que tenha sido melhor ou pior. Assim como o melhor beijo sempre é o próximo, para mim a melhor fase da vida é essa em que estou. Hoje comemoro meio século e só tenho bençãos a contar

Poemeto pigmentar

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Monastra minha amada Talvez não seja nada Talvez em si seja tudo Ou mudo Monastra querida minha Não escute a vizinha Ela adora uma fofoca Na toca Monastra minha flor Nunca duvide do amor O meu nunca acaba Na taba Monastra minha vida Se alguém duvida Da nossa sina Ftalocianina

Anauê

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Antes de mais nada gostaria de esclarecer que não sou filiado a nenhum partido político, nem sou eleitor habitual de nenhum deles, pelo contrário, já há alguns anos só tenho votado em uma candidata para vereadora e que, no momento é candidata a deputada federal. Cada dia aumenta mais a minha convicção que a dita democracia representativa não me representa em nada. Não acompanho a campanha eleitoral desse ano, exceto pelo noticiário do jornal que leio. Não pretendo votar na Dilma, nem no Serra, muito menos na coleção dos micro candidatos. Nenhum deles, por motivos diferentes, me parece adequado ao cargo que disputam e eu sempre fui contra o voto útil. Também não acho que o governo atual seja grande coisa, é uma mistura de liberalismo econômico tucano, com demagogia assistencial peronista e aparelhamento partidário do estado. Não deixo de reconhecer algumas de suas realizações, especialmente numa área que me diz muito que é a educação inclusiva, definitivamente provocaram uma revolução p

Panis non conficitur sine farina.

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Maria minha broa Há dias que você não aparece na minha padaria e meu pumpernickel está muito sovado com saudades da sua focaccia. Você sabe que és para mim mais que uma miga, é o croissant dos meus olhos e o vienoise dos meus desejos Lembro do dia que lhe dei aquele brioche e você não deu batata para mim. Não me queijo. Depois te conquistei de forma e integral. Minha baguete anseia pela sua ciabatta, não se faça de banha que o tempo pode ficar preto. Quero de novo beijar seu chapati e mordiscar suas bisnaguinhas. Me disseram que andas com um francês, mas eu te vi mesmo foi com aquele cacetinho gaúcho. Que raiva! se você não voltar, passo minha bengala em ti, sua pita. Manuel

Aforismos recorrentes

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O silêncio é um grito para ouvidos fechados Mostre-me como diriges e eu te direi quem és Sonhos de cristal refletem em todas as direções A eternidade é feita de um monte de segundos Não espero a primavera, eu a crio no coração A mão que apaga é a mesma que viceja Na iminência da derrota os democratas se transformam imediatamente em fascistas Como é que as pessoas sobreviveram séculos sem redes sociais?

A inesquecível antologia do trimestre

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Ao invés de escolher um adjetivo esdrúxulo qualquer para batizar a antologia que acabou sendo do trimestre, eu preferi definí-la como inolvidável, ou inesquecível, em homenagem a alguns dos meus leitores que, durante esse período em que estive fora do ar, efetivamente sentiram minha falta e se preocuparam comigo. Seja aqui mesmo nos comentários, sejam por e-mails ou mensagens em redes sociais, essas pessoas foram muito importantes nesse período de travessia pelo qual eu passei. A todos e a cada um deles (sim, vocês sabem que estou falando de vocês), o meu muito obrigado. E vamos ao melhores comentários postados no Mens Insana de Junho até Agosto: estamos todos +-enforcados vou tomar mais cuidado com o que ando escrevendo não dê conselhos sem acentos! ...eu morro de medo de provocar um incêndio.. pensar numa Traição esqueirófica? Se eu fosse traída por um homem que me enviasse o que você postou... penso que talvez este desencadeasse um pedido de divorcio Preciso carregar um queijo deste

Um sonho

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Todas as noites, ao deitar, Alexandroff saia de si mesmo e vagava pela vielas escuras das almas alheias. Não era um ser do mal, apenas um observador atento dos sonhos que invadia. Percorreu delírios, pesadelos, desejos reprimidos, angústias e fantasias. Nunca se envolvia em nenhum deles, algumas pessoas invadidas acordavam com a lembrança de um personagem que observava tudo e nada fazia. Do seu lado, ele não tinha sonho nenhum, apenas os dos outros. Durante anos a situação se repetiu. Se alguém lhe perguntava se ele sonhava ele dizia que não lembrava de nada. Numa noite de fim de verão, Alexandroff entrou num sonho que o encantou e, sem perceber foi capturado pelo mesmo. Pensou que era muito arriscado deixar-se participar da história daquele sonho, mas não conseguiu, ou melhor, nem se esforçou para não ser capturado. Percebeu que aquele era o sonho que ele nunca tinha sonhado, que era tudo que queria na vida. Naquele dia deixou de vagar pelas ruas e invadir outros sonhos. Voltava todas

O espírito de Blaafarveværket

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Ninguém sabe exatamente quando foi que Jorge o encontrou, as lendas dizem que em algum dia na década de 30 do século XVIII, enquanto olhava fixamente para um vidro colorido. Uma iluminação, dizem alguns, uma impostura, dizem outros. O que se sabe é que Jorge, depois de beber alguns copos a mais de bismute (uma variação estoniana do vermute) estava intoxicado pelo demônio das minas. O germânico espírito maligno infiltrou-se na cozinha de Jorge e decompôs todo o seu faqueiro de prata. Não que ele desse tanto valor assim para os talheres, mas surpreendeu-se com a rapidez com a qual eles se desmancharam no ar. Concluiu que sua descoberta era uma bomba de efeitos arrasadores e mesmo quando o espírito parecia se decompor, ele se mantinha metaestável. Depois da morte de Jorge, coube a Jacques conduzir o relacionamento com o elemento perigoso. Sendo Jacques um sujeito multifacetado, assim via as possibilidades de desenvolvimento em todos os demais seres. Mas só conseguiu converter o espírito e