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Mostrando postagens de julho, 2009

Romance policial

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Por estranho que soe, meu amor atingiu tais atmosferas de loucura que se destituiu do que mais prezava, para além de qualquer esperança de recuperação (Heloísa para Aberlardo Séc XII) Não se sabe bem ao certo o motivo, mas Filiberto não gostava de Abelardo, o namorado de sua filha, Heloísa. Alguns achavam que era a diferença de idade. Abelardo era bem mais velho que sua amada, quase da idade de Filiberto. Outros atribuíam a uma discussão quase nominal sobre política. Seja lá qual fosse o motivo, o pai proibiu a filha de encontrar o desafeto. O que não significou muito. Heloísa, estudante de direito, contava com a cobertura de sua amiga Cibele, que trabalha no distrito policial do bairro. Sempre que saia avisava ao pai que iria até a delegacia, onde, supostamente, estava fazendo estágio. Abelardo sempre entrava pela porta dos fundos. Heloísa pela entrada principal. Juntavam-se no porão que, no passado, tinha sido usado para interrogatórios. Quando não conseguiam se encontrar enviavam,

Minhas férias

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Eu me lembro muito bem. Todo março e todo agosto a primeira lição de português era a fatídica redação : Minhas férias. Não sei quantas eu tive de escrever na marra. Quantas eu enrolei tanto quanto podia. Agora chega o meu filho de 10 anos e, sem que ninguém tenha pedido (aliás, nem acabaram as férias), ele pega o seu caderno e escreve a respeito dos dias que passamos num hotel em Itapira. O texto abaixo é a transcrição letra a letra do seu texto. Não, ele não fazia a menor idéia de como se escrevia Snooker. Minhas férias - Fazenda Águas Claras por Samuel Adiron Eu fui com a família na Fazenda Águas Claras. Lá existiam muitos cavalos Eu e a família adoramos viajar, e com muitas emoções. Lá descobrimos muitos pés de café. Eu, papai e a Letícia fomos andar de cavalo. Aí eu, a família e mais visitantes andamos de caminhão. Durante a noite a gente contou estrelas. A gente foi no passeio da floresta. Eu brinquei de 2 jogos: ping-pong e o esnuquer. A gente foi pescar. Eu, a mamãe e o papai t

Ruminantes urbanos

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Eu não gosto de chicletes. Não consigo imaginar nada pior que um pseudo-alimento que não se pode engolir A mastigação de um chiclete gera a produção de suco gástrico sem alimentos e favorece o processo de gastrites e úlceras, além de sobrecarregar a mandíbula causando bruxismo e problemas na dentição. A alegação de que mascar chicletes alivia a tensão não me convence. Existem alternativas mais saudáveis. Beba um cházinho. Pior do que isso, a imagem de qualquer mascador me lembra sempre de ruminantes no pasto. Alguns desses ruminantes, para agravar a situação, o fazem de boca aberta, o que torna o espetáculo algo horripilante. Por uma questão de gênero, sempre reparei mais em mulheres do que em homens. E sempre nutri um certo desprezo pelas mascadoras. O chiclete, além de afetar a estética, ainda tem um agravante. Acaba com qualquer romantismo. Afinal, mulheres que mascam chicletes não podem ser beijadas de repente. A menos que você goste de sensações bizarras. Também não podem receber

Risada tem hora

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Elvira era uma moça recatada e tímida. Mesmo assim tinha um namorado atrás do outro e ninguém conseguia entender porque seus namoros não davam certo. Era bonita, inteligente e, vencida sua timidez, um papo muito agradável. Antonio, que era ainda mais tímido, sempre amara Elvira à distância. Se amargurava a cada namorado novo que ela arranjava. Regozijava-se cada vez que sabia de mais uma separação. Um dia bebeu um pouco demais e, sem perceber, declarou-se a Elvira que o acolheu. Ele comemorou com um misto de alegria e temor, afinal, não sabia porque os namoros de Elvira não funcionavam e morria de medo de ser apenas mais um na lista. O namoro prosperou, ao contrário da expectativa geral. Eles davam-se bem, tinham gostos similares e eram bastante tolerantes com os defeitos do outro. Até que Antonio abusou de novo do gin e, num arroubo de coragem, convidou Elvira para ir a um motel. Ela hesitou um pouco, mas Antonio insistiu e ela aceitou. Foi lá que Antonio descobriu o tão bem guardado

A falácia de Drummond

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Eu sou um grande fã do Drummond, aquele cara que um anjo mandou ser canhoto. O que não significa que eu concorde com ele o tempo todo. Aliás, acho-o tremendamente falacioso quando escreve seu poema Consolo na praia . Primeiro porque o poema não traz consolo nenhum. Sempre fiquei em dúvida se sua sugestão de se lançar nun nas águas é uma forma de libertação ou uma incitação ao suicídio. O ponto crítico do poema, no entanto, é quando ele diz: O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Como assim ? Primeiro, segundo, terceiro ? Ainda virão outros? Amor que passa assim tão despreocupado não é amor nenhum. Até acredito que a pessoa amada possa passar, mas se era amor mesmo, o sentimento não passa nunca mais. Ah... você vai me dizer que aquele sentimento passou? Então devia ser uma paixão momentânea. Podia ser uma atração intelectual ou física, talvez um carinho diferente. Amor que é amor é único. Amor que é amor não diminui nunca (outra f

Honi soit qui Magne y pense

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Mal acabara de digitar tardígrado o epodo quando começou a ter fosfenos. Como rejeitara a anacirtose de forma pugnaz imaginou que pudesse se apenas uma anostose Uma mera odontagra que não iria escarnar naquele momento, não estava disposto a uma nova deutergia. Fossou seu vade-mecum em busca de uma rima assonante para Lepanto, sua ode não tolerava melas. Ele, outrora uma pessoa precatada, se transformara num cardiomegálico desde que Bartira entrara na sua vida. Vivia trunfado, como se alênteses em tropel o desautorassem. Olhou para a engra. Ao longe divisou uma amerim de dois arretéis que lhe pareceu edível, espantou a iraxim que lhe sobrevoava e deglutiu-a de uma chispada. Já pitosga com o entardecer catassol depositou o texto sobre o oleado e, lábrego, vestiu sua simarra como se fora uma adarga Nenhuma osfiite seria velame para a sua paixão. Às favas a psicroterapia, essa pantalonada cosicada. Sua vida agora seria só de halalis O jesuíta Augusto Magne foi autor de um dicionário da lí

O anel que tu me destes

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Anita sentiu alguma coisa estranha na mão, e não era a grama do parque. Olhou para Rodolfo que não entendeu a sua expressão de surpresa. Entendeu menos ainda quando ela se levantou do seu colo e começou a escavar a terra ao seu lado. Ficou olhando. Nas mãos de Anita surgiu um aro de metal, parecia apenas uma arruela suja e enferrujada. Mas ela percebeu que era mais do que isso. Apanhou a bolsa, tirou um frasco de sabonete líquido e um lenço de papel. Limpou cuidadosamente a sua descoberta e mostrou para Rodolfo. Era um anel. Um anel de prata. Mais do que um simples anel. Era uma aliança, tinha alguma coisa escrita por dentro que nenhum dos dois conseguiu ler. Pelo diâmetro ela concluiu que era a aliança de um homem. Por quê estava enterrada ali, perto do lago? Será que ele pensou em jogá-la na água e desistira? Talvez uma última esperança? Se jogasse no lago estaria perdida para sempre. Enterrada junto a uma das árvores ele ainda poderia ir buscá-la caso a amada voltasse para ele. Que

Desafiando Pablo

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Muitas vezes eu já cometi traições por aqui. Recentemente, aprendi com um leitor anônimo do blog que, além de trair eu poderia também desafiar (veja nos comentários aqui ) Por isso hoje eu me arrisco a um desafio. Com a vantagem de que o desafiado não pode reclamar do que fiz com o poema dele. Pablo queria cinco coisas. Muitas menos quero eu. Sobrevivo sem o outono, inda que seja belo. A primavera é perfumada, mesmo assim dispensável. No inverno me basta o conforto dos seus braços No verão o teu sorriso me refresca. Mas, do teu olhar não abro mão Nas manhãs, noites e madrugadas. E em primeiro e último: o amor. Teu amor sem começo nem fim O original desafiado Y sólo quiero cinco cosas, cinco raíces preferidas. Una es el amor sin fin. Lo segundo es ver el otoño. No puedo ser sin que las hojas vuelen y vuelvan a la tierra. Lo tercero es el grave invierno, la lluvia que amé, la caricia el fuego en el frío silvestre. En cuarto lugar el verano redondo como una sandía. La quinta cosa son tu

Programa macabro

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Minha profissão sempre me fez aprender muito a respeito de produtos e mercados. Especialmente a respeito de pessoas. Como elas lidam com essa ou aquela categoria de produtos, quais são os seus desejos, suas necessidades, seus sonhos. Desde que me tornei consultor o leque de produtos diferentes com os quais trabalhei e trabalho se ampliou bastante, provocando os mais diversos exercícios de imaginação. Tenho de admitir que alguns produtos eram, digamos assim, incomuns ou inusitados. Mas nunca pensei que eu receberia um convite para a Funexpo. Aliás, nunca imaginei sequer que pudesse existir uma Funexpo. E, mesmo que soubesse, nunca imaginaria que eu teria de ir em uma. Ao contrário do que pensou uma amiga, não é uma Exposição Fun. De divertida não deve ter nada. É uma feira circunspecta e lúgubre. A Funexpo é a feira das Funerárias. Vai acontecer em Setembro, na cidade de Santos. Acostumado a participar de feiras, congressos e exposições, fico imaginando como será essa. Suponho que tod

O reino de Arsinoé

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A vida não era fácil para nenhum dos dois. Tinham muito trabalho e, quando chegavam em casa mal tinham tempo um para o outro. O que não significa que não aproveitam cada segundo disponível que tinham. Apaixonados desde sempre, nem a falta de tempo era capaz de arranhar o seu amor. Mas sentiam falta de algo mais. Algo que permitisse que eles retomassem a dedicação dos primeiros tempos. Algo que os permitisse ir além do que já tinham ido. Não sabiam exatamente o que poderia ser. Nem por onde começar a procurar. Até o dia em que Arsinoé entrou na vida deles. Foi ela que descobriu a mulher. Comentou com ele a possibilidade. Ele estranhou, afinal ela sempre fora refratária a essas coisas. Desconfiado, aquiesceu. Ela conversou com Arsinoé e deixou claro que eles não eram exatamente um casal moderninho. Nunca tinham feito aquilo. Arsinoé pediu que não se preocupassem. Não era a primeira vez dela. Talvez sentissem um certo constrangimento no começo mas, aos poucos, iriam se libertando dos pre

Escrivaninha

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Alberto entrou no quarto e deu de cara com a escrivaninha. Voltou para a cozinha, onde Rebeca preparava o jantar, e perguntou o que era aquilo. Rebeca nem se virou e disse que tinha comprado o móvel para ela. Que queria guardar algumas coisas pessoais. Ele a questionou se as gavetas do armário não eram suficientes. Públicas demais, ela respondeu, eu preciso de um pouco de intimidade. E nada mais disse. Nem ele perguntou (mas se roía de curiosidade para saber o que ela ia colocar lá). No dia seguinte Rebeca pegou uma cadeira, sentou-se defronte à escrivaninha e começou a organizar gaveta por gaveta. Na primeira colocou os seus segredos de trabalho. O que a diferenciava de todos os demais profissionais da sua área. Na segunda guardou os segredos de infância. Tão caros que ela forrou a gaveta com um retalho de veludo. Pegou um pouco de plástico bolha para guardar seus segredos amorosos. Todos tão frágeis. Outra gaveta guardava os segredos que só ela conhecia do seu corpo. Com cuidado aco

Sem pomelo

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De vez em quando todos nós temos desejos. Apesar da lenda, esses não se limitam à mulheres grávidas. Eles podem ser isolados ou recorrentes. Eu tenho um que é recorrente e, apesar de nem sempre ter a oportunidade de satisfazê-lo, quando o faço nunca me arrependo, que é o de beber suco de pomelo. O pomelo (Citrus maxima) é uma fruta que vegeta e produz em regiões das mais variadas condições ecológicas, ou seja, é possível consumí-lo em latitudes variadas, mas os melhores são os procedentes das Astúrias. Os frutos podem ser consumidos ao natural, com seu sabor inigualável ou em sucos que conseguem extrair o que há de mais essencial deles. O pomelo combina a forma de uma laranja grande e a cor amarela de um limão, ainda que também existam variedades de cor verde, semelhante à pele de uma lima. Eu, particularmente, não tenho nenhum interesse nessa variedade de cores. Sou um purista e só gosto dos amarelos, os demais não me seduzem. A tonalidade de sua polpa é variada e atrativa e vai do a

Envelhecendo com classe

Sempre que viajo para fora do Brasil vou atrás de discos de músicos locais. Foi assim que descobri Los prisioneiros no Chile, Lask na Alemanha e Lavay Smith em New Orleans. Em 1987 fui para a Argentina e voltei com dois LP´s de um cara que começava a fazer sucesso por lá. Um se chamava Giros e o outro Corazón Clandestino. O sujeito era um pouco mais novo que eu, alguém da minha geração. Tentei acompanhá-lo por um tempo mas, já nessa época, nossas lojas de discos ignoravam solenemente a América Latina e foi só quando os Paralamas do Sucesso começaram a fazer um intercâmbio com os nosso amigos del Sur que os seus trabalhos começaram a chegar por aqui, assim como os de Charly Garcia, bem mais velho que ele. Ele tem uma coleção de sucessos que vão do rock explícito a baladas românticas. Era fã de uma Gibson Les Paul e tinha uma aparência que lembrava uma mistura de rockeiro com jogador de futebol argentino da década de 70. Eu fui envelhecendo. Ele também. Suas músicas não deixaram de ser

Conticulóides sinestésicos

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Trauma No meio da viagem acabou a luz e os dois ficaram presos no elevador. Constrangidos começaram a conversar sobre amenidades, esperando que alguém os viesse resgatar. Os minutos passavam sem que ninguém aparecesse. Ela foi ficando nervosa e ele, sem jeito, não conseguia tranquilizá-la. Tentou abrir a saída de emergência sozinho. Ela gritava e chorava. De repente a luz voltou e o elevador partiu para o seu destino. A partir daquele dia ele passou a usar as escadas, se acontecesse de novo ele era capaz de enforcá-la. Ilusões Todos os dias ela caminhava no parque. Todos os dias ela cruzava com ele no meio do caminho. Todos os dias se cumprimentavam com um sorriso. Todos os dias ela achava que ele ia ao parque só para vê-la. Todos os dias se perdia no seu devaneio. Até o dia que ele passou com outra. Parou de caminhar e engordou 15 quilos. Ferocidade Saiu na chuva sem olhar para trás. Estava decido a acabar com tudo de uma vez, não podia mais contemporizar aquela situação, a indecisão

Invasão de privacidade

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Quando eu passei pela porta da loja, as duas me olharam com cara de desconfiadas. Não era a primeira vez, certamente não será a última que eu praticava essa invasão de privacidade. Ainda jovem e solteiro eu já aprontava dessas. Afinal de contas, que lugar melhor para comprar presentes para uma mulher do que numa loja de artigos femininos? Já comprei vestidos, saias, blusas, perfumes. No sábado passado foi numa loja de roupa esportiva para mulheres, onde fui comprar uma para a minha sobrinha que fez aniversário. Sempre tenho a impressão que estou violentando um habitat onde eu não deveria entrar. Sei que isso soa muito machista mas, nesse caso específico, quem está sendo machista são as vendedoras e as clientes dessas lojas, que me fuzilam com seus olhares. Não faço a menor idéia do que passa pela cabeça delas. Se eu sou um curioso, um assaltante ou um tarado. Certamente nunca me imaginam como um possível cliente. Se, nas lojas de roupas, eu recebo esses olhares intrigados, pior são du

Contículo adverbial intenso

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Eu já tinha ouvido bastante, mas nunca era demais saber que aquele excesso proverbial se estendia muito além da retórica. Tudo que ela dizia me alegrava por completo. Muitas vezes eu tentei ser tão poético quanto ela. Era impossível, ela me dizia tudo e eu nada podia fazer além de escrever versos. Quanto mais eu tentava alcançá-la, menos conseguia diminuir o intervalo que se ampliava. Talvez eu fosse assaz otimista, acreditando que quase chegaria a seus pés. Mas ela sempre foi bem mais rica em metáforas, aliterações e rimas. Quão rapidamente me dei conta disso. Me deixei levar de todo. Ela me envolvia de muito, intensamente. Conclui finalmente que, como eu, muitas pessoas fazem versos, outras poucas, são elas mesmas, a poesia. Os advérbios de intensidade têm uma característica particular, pois além de intensificar o verbo, eles podem intensificar o sentido de adjetivos e de outros advérbios

Alta traição

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Nikolas Lenau (1802-1850) foi um poeta austro-húngaro romântico. É muito pouco conhecido no Brasil, exceto por alguns admiradores de Alban Berg que musicou alguns dos seus versos. Esse é um dos que compõe o conjunto das 7 canções da juventude de Berg. Se quiser, pode ouví-lo aqui Admito que é um caso de alta traição : A canção do junco Por trilhas secretas da floresta Ao rio me achego ao entardecer Aos juncos vou, solitária fresta, Meus pensamentos de ti encher Escurece o bosque o anoitecer Sussuram os juncos um mistério Lamentam juntos meu triste ser Choram comigo meu choro sério Como ouvindo namoro da brisa Suave e doce ecoa sua voz E, pelas águas, lenta desliza Encantada em direção à foz Claro, se você é um purista que prefere o original, aí vai: Schilflied -Nikolas Lenau Auf geheimem Waldespfade Schleich’ ich gern im Abendschein Na das öde Schilfgestade, Mädchen, und gedenke dein! Wenn sich dann der Busch verdüstert, Rauscht das Rohr geheimnisvoll, Und es klaget und es flüstert, D

A ponte de Lhanbryde

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No caminho de Lhanbryde, Escócia, havia uma ponte de pedra em Robertson Road que, segundo a lenda, se atravessada sozinha, faria com que a pessoa que o fizesse passasse o resto dos seus dias sem um companheiro. Os mais velhos garantiam que, caso a pessoa fosse solteira, morreria solteira. Se casada, enviuvaria em breve. Por via das dúvidas ninguém se arriscava a desafiar os poderes da ponte. Tamanha era a preocupação com o assunto que as autoridades municipais colocaram, de cada lado da ponte, um aviso a respeito, para que os viajantes e turistas não sofressem as consequências da maldição. Um dia, vindo de Moss of Burmuckitty, Mawkishly se aproximou da ponte disposto a destruir todas as superstições locais. O rapaz era conhecido pela sua coragem, mas nunca tinha chegado a esse ponto. Esperou o entardecer para que o movimento diminuísse e, quando achou que não havia mais ninguém por perto, foi em direção à ponte. De longe, alguns amigos o observavam, incrédulos. De perto, Mawkishly sen

Hai Kais sazonais

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Mulher caprichosa Em que enseada aportou Para invernar? Menina manhosa Alongada no colchão Feliz primavera Jovem mimosa Sonho intraduzível Frescor outonal Voluptuosa Destila através dos lábios Verão sensual * Haikai (Haïku ou Haicai) é um forma poética de origem japonesa, surgida por volta do século XVI, que valoriza a concisão. O haikai é a arte de dizer o máximo com o mínimo. Cada haikai capta um momento de experiência, um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida

Lavender blues

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Lavender's blue, dilly dilly, lavender's green, When I am king, dilly, dilly, you shall be queen. (Canção folclórica inglesa do séc XVII) Marcelo estava naquela fase em que os meninos viram poetas. Apaixonava-se uma vez por mês. Tomava um fora com a mesma frequência. Fosse para conquistar alguma garota, seja para afogar as suas mágoas, ele escrevia. Aos borbotões. Em alguns poucos intervalos entre uma desilusão e a paixão seguinte, ele dedicava-se a procurar as melhores frases, as palavras justas, o soneto perfeito. Para isso lia os clássicos da poesia, um atrás do outro, fazia anotações e enchia o seu caderno de rascunhos. Um dia, em um dos livros, deparou-se com a foto de um campo de lavandas. Ficou encantando com a cena provençal. Não só a flor era bonita, como também fornecia um dos perfumes mais suaves do mundo. Depois de várias tentativas, chegou aquela que considerou sua melhor metáfora : "Como flores de lavanda seus olhos se espalham pelos campos da minha alma...&

Bolinho com café

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Não é todo dia, aliás é muito raro mas, de tempos em tempos, eu me arrisco na seara dos pratos doces. Nada me melhor do que a ociosa tarde de um domingão para brincar na cozinha e lá fui eu fazer bolinhos. Aqui em casa são conhecidos como crosty (não me perguntem por que), nome que veio junto com a receita que aprendi com a bisa Lina. Tudo indica que a origem do bolinho é italiana, pois a mãe da bisa já fazia. Não tem muito truque, talvez apenas o acabamento trançado. A trança é feita fazendo-se uma fenda no meio do retângulo e passando uma das pontas por dentro da mesma, quase como se estivéssemos enrolando uma meia. O bolinho não fica muito doce, na hora de comer (tomando-se um café ou um chá), cada um escolhe o seu complemento que pode ser mel, açúcar misturado com canela ou alguma geléia. Ingredientes : ½ kg de farinha de trigo peneirada 5 colheres de açucar peneirado 1 ( ou 2 ) ovos inteiros + 1 gema 3 pitadas de sal 2 colheres de sopa de óleo 2 e ½ colheres de chá de fermento em

Contículo apostrófico

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Ó Leonor, não caias. Olha, amada minha, a canção que vos ofereço, E vós, querida minha, podes vos machucar. Lembrai-vos, ditosa mulher, o mar salgado, um pouco desse sal, são lágrimas do meu amor. Moça, que fazes aí parada? Leonor, ó Leonor dos meus suspiros, o que fazes que não me respondes ? Perdei vosso medo, vida da minha vida, e deixai que minha mão, esteio desse amor, vos ampare. Apenas vosso pensar, querida, de se deixar cair em braços outros, fazem dos meus dias, curtos e longos dias, uma tristeza sem fim. Leonor, felicidade minha, perfume dos meus olhos, cor saborosa, brilhante voz, não me abandones. A vós, e somente a vós, ninguém mais, vos ofereço um coração. apóstrofe : consiste na interpelação enfática a alguém (ou alguma coisa personificada).

A mulher do capitão

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Todos os dias no fim do dia, Rachel ia até o porto para se despedir de seu namorado, o capitão da balsa que liga a ilha ao continente. Todos os dias pela manhã, ela voltava para receber o seu namorado, o capitão da balsa que chegava. Uma rotina que durou anos a fio. O que o capitão da balsa não sabia era que ele não era o único na vida de Rachel, havia um outro, que era o capitão da balsa. Na verdade, duas balsas faziam a ligação entre aquele fim de mundo e a cidadezinha do litoral, alternadamente. Quando uma delas estava indo para a ilha, a outra voltava para continente. Menos aos finais de semana. A balsa que chegava na sexta feira só voltava no domingo à noite. A outra chegava só na 2a feira de manhã. Como que Rachel conseguiu seduzir Antonio e Henrique ninguém nunca soube. Mas todos na ilha sabiam o que acontecia. Como os dois só se encontravam no meio da travessia, mas nunca pessoalmente, não sabiam que eram amantes da mesma mulher. Mesmo os moradores do continente, que chegavam

Estranho amor

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Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas... Manuel Bandeira Ela começou a estranhar suas atitudes no dia em que ele disse que tinha esquecido algo no carro e demorou quase meia hora para voltar da garagem. Ele andava com um olhar estranho, ou melhor, o olhar até que não era tão estranho assim, mas há mais de 20 anos que ela não o via daquele jeito. E a última vez tinha sido com ela. O mais estranho é que não dava nenhum sinal clássico. Pelo contrário, começou a chegar em casa mais cedo que o normal. Passava mais tempo com as crianças no play ground. Estava mais social com os vizinhos. O cúmulo do absurdo foi o dia em que ele resolveu ir na reunião de condomínio, depois de mais de uma década sem ir. Aí tem coisa, ela pensava. Começou a fazer uma marcação mais cerrada e não demorou muito para ver que ele sempre estava nos mesmos lugares que a ruiva do oitavo andar. A ruiva levava as crianças para o salão de jogos do prédio...e logo depois ele convidava as crianças para brincar. Quan

Cada um com sua tara

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Eu sempre gostei da língua portuguesa, aprendi a ler cedo e nunca sofri demais fazendo a tradicional redação sobre as minhas férias. Mas foi só na 8a série que comecei a me interessar mais pelas palavras em si. Suas origens, sua história e seus usos. O mérito foi do professor Mariano no Colégio Rio Branco. Graças a ele que eu, com 14 anos, já sabia o que era uma exegese. A minha história de amor com os verbetes se aprofundou na faculdade, duas mulheres foram as alcoviteiras desse romance, as duas professoras de Português: Beth Brait e Nina Lourenço (da primeira fui monitor, pela segunda nutri um xodó tardio por professoras). Com o tempo fui aprendendo outras línguas e, nelas, também fui descobrindo maravilhas etimológicas e morfológicas. Até o latim passou a me interessar por ser a grande fonte de três das quatro línguas que eu consigo ler razoavelmente bem. Por isso não consegui me segurar muito tempo quando minha prima me indicou a leitura de Tingo - o irresistível almanaque das pal

A fabulosa antologia de Junho

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Caros leitores e comentaristas Nesse mês passado vocês se superaram...certamente é uma das melhores antologias do blog. Aos que chegaram agora, leiam os comentários, e se deixem levar pela imaginação. É muito divertido. ...sempre começo a ler ingenuamente acreditando que é sério. Amores impossíveis sempre deixam um rastro de dor... ...o fato é que era sábado de Aleluia e ele partiu. Sacanagem pouca é bobagem... hahahahaha ...parece que o ser humano tem irreprimível inveja dos outros animais. Acho que você TEM que escolher algum(ns) comentário(s) meu(s) só pra não me decepcionar. ...elas poderiam vir carregadas de ironia, cinismo, histrionismo... ...as emanaçoes do gás que a pitonisa de Delfos inalava foram é parar em suas narinas! uma aranha antropófaga e uma profecia trágica... Ui!!! Fiquei com medo! ...insanidade é substantivo, e o pior, substantivo comum... aquela fase em que a mulher deixa de representar o papel de Chapeuzinho Vermelho e resolve encarar seu lado Lobo Mau se voce c